A luta árdua e diária dos LGBTs para serem aceitos como são
Autor: Fillipe Borba - Estagiário de JornalismoOrgulho é uma palavra que pode carregar vários significados. Desde um sentimento de prazer, de grande satisfação com o próprio valor, até um excesso de amor próprio, arrogância, se for considerado o seu sentido pejorativo. A primeira definição apresentada é a que mais se aproxima da realidade quando se pensa em orgulho LGBT. Para essas pessoas, momentos como o último dia 28.jun.2020, data na qual é celebrado o orgulho LGBT no mundo todo, é tempo de reflexão da caminhada e também reafirmação em uma sociedade que exclui e segrega esse grupo todos os dias.
Professora nos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Uninter, Máira Nunes é estudiosa das questões de gênero e sexualidade há vários anos. Ela explica a importância do orgulho, traçando uma perspectiva histórica. “O orgulho LGBT é fruto de um movimento social histórico que luta pelos direitos de pessoas dissidentes sexuais e de gênero. Entendendo que as pessoas que não são heterossexuais e que não são cisgênero continuam sofrendo preconceito, discriminação e violência, o orgulho LGBT marca uma posição de visibilidade e aceitação. A pauta do orgulho LGBT surge na segunda metade do século 20, em especial após a revolta de Stonewall de 1969 e tem o seu início formal com a primeira parada do orgulho gay, realizada em 1970”.
A exclusão de quem está fora de uma dita normalidade é uma realidade latente. Os privilégios que determinadas pessoas alcançam na sociedade as impedem de enxergar a necessidade de celebração da existência. “A celebração do orgulho LGBT tem uma dupla função: para a comunidade significa um momento de dizer “eu existo, eu mereço existir”, se autoafirmar sabendo que não há nada de errado ou de ruim acerca da sua sexualidade ou identidade. Para a sociedade em geral, é um momento de marcar a luta pela inclusão, respeito e contra a violência”, conta Máira.
Em nome da defesa de uma existência normativa, grandes setores da sociedade sustentam discursos de ódio e falsas simetrias. Uma delas é a necessidade de existir um Dia do Orgulho Heterossexual. A professora comenta porque esse posicionamento não se sustenta, além de demonstrar a insensibilidade dessas pessoas.
“Existe um entendimento equivocado de que a concessão de direitos de uma categoria de sujeitos retiraria automaticamente os direitos de quem já os tem. A ideia de um orgulho heterossexual surgiu como uma reação ao orgulho LGBT, no entanto não faz o menor sentido, pois as pessoas heterossexuais já têm os seus direitos assegurados, historicamente, pois constituem-se dentro da norma, da lei, da moral. Nada na heterossexualidade é passível de exclusão ou de hierarquização, a não ser o fato de que os sujeitos heterossexuais são os que estão no topo dessa hierarquia, sendo aceitos como os “normais”, enquanto os sujeitos LGBT são vistos sempre como desviantes”.
Uma sigla que não para de crescer
Abarcar diversas identidades, formas de viver, não é uma tarefa simples. Os movimentos sociais que lutam pela causa LGBT já foram chamados de outras formas anteriormente. G, GLS, entre outras formas, serviram para facilitar a explicação de uma problemática complexa.
“As siglas seguem também uma história que se construiu com o movimento. Inicialmente apenas Gay, depois Gay e Lésbico, depois movimento GLS (Gays, Lésbicas e Simpatizantes), depois GLBT, aí LGBT para aumentar a visibilidade lésbica. Hoje inclui-se o I, de Intersexual, por entender que cada letra representa uma vivência diferente dentro do universo não heterocisnormativo. Não há um consenso acerca da sigla, principalmente porque há a inclusão de letras, como o Q, que não fazem sentido na realidade brasileira”, explica Máira.
“Há um momento em que a homossexualidade é proibida, criminalizada e patologizada, o orgulho pressupõe um esforço de atuação para romper com essa visão. Então, inicialmente homossexual ou gay eram termos unissex que englobavam Gays e Lésbicas. Mas sabemos que as realidades de homens e mulheres são diferentes, então começou a se marcar as duas siglas”, comenta a professora, mostrando que definições existem, mas nem sempre representam a realidade.
Com o passar dos anos e a institucionalização da luta LGBT, mais identidades foram representadas até chegar no momento presente. “O acréscimo de cada uma das siglas vai marcar a inclusão de vivências, realidades e identidades diferentes. A Bissexualidade e, posteriormente, a Transgeneridade e Trassexualidade (inclusive a Travestilidade, que tem uma luta muito potente no Brasil). O Q estaria relacionado ao Queer (esquisito), que é um termo pejorativo que foi ressignificado na cultura anglófona. No entanto, como o português é uma língua generificada, não temos uma tradução adequada ou um termo sinônimo de Queer, por isso há uma certa relutância em incluir a letra na sigla usada no Brasil. A letra A remete às pessoas assexuais que são pessoas que não necessariamente têm desejo ou se relacionam sexual/afetivamente com outras”, comenta.
A sigla é importante, mas é apenas uma parte da questão. E se mostra necessária pela falta de inclusão das pessoas LGBT na sociedade. “É importante compreendermos, para não cairmos na falácia da sopa de letrinhas – basta acrescentar ao bel prazer –, que há uma política identitária que luta por reconhecimento e acesso a direitos. Mas também há um movimento direcionado a uma utopia presente na ideia de que não precisaríamos de nomenclaturas, categorias e “caixinhas” para definirmos quem nós somos. A inclusão na sigla se faz necessária enquanto não há direitos e nem inclusão”, pontua Máira.
O mercado como força inclusiva
Nos últimos tempos, há a adoção de discursos mais inclusivos por meio de marcas e empresas. Setores da luta LGBT acreditam que isso é uma forma de avanço suficiente e outros defendem que as empresas fazem isso para conquistar o Pink Money, que é o nome dado a esse mercado destinado a pessoas LGBT, que é extremamente lucrativo, e que se utiliza da discussão sobre a diversidade para criar produtos e discursos para o consumo das pessoas LGBT.
Máira comenta sobre a questão: “Há um movimento interessante do mercado, nos últimos anos, que entende que a tendência agora é o ativismo. Pautas dos movimentos feminista, negro e LGBT tornaram-se mote publicitário. No Brasil, a inclusão pelo consumo faz parte de um movimento mais amplo, iniciado com o plano real, que substitui a inclusão pela cidadania (com a ampliação de direitos e diminuição da desigualdade) pela inclusão pelo consumo”. A luta está longe de ter um fim.
“Se fere minha existência, serei resistência”
Ainda existem países no mundo que adotam punições que vão desde prisão até pena de morte para pessoas que se assumem LGBTs. Alguns deles são Egito, Arábia Saudita, Paquistão, Afeganistão, Sri Lanka, Iraque, Índia, entre outros. Segundo relatório da ILGA (International Lesbian, Gay, Bisexual, Trans and Intersex Association), 73 países tratam a relação entre pessoas do mesmo sexo como crime.
“O Brasil é o campeão mundial em assassinato de pessoas LGBT e esse quadro indica a falta de políticas públicas voltadas para a inclusão, educação e diversidade. Enquanto o poder público não enxergar as pessoas LGBT como sujeitos de direito não haverá avanços no sentido de combater a violência homolesbobitransfóbica”, explica a professora.
A criminalização é um caminho que ainda persiste e reforça nos outros países de legislação mais progressista, mesmo que indiretamente, a agressão a pessoas LGBT. A conscientização das pessoas se faz urgente, pois, todos os dias pessoas morrem simplesmente por existirem.
“A ideia de que o combate ao discurso de ódio é função de toda a sociedade é o ponto de partida. Todas as pessoas, sejam elas LGBT ou não, precisam estar envolvidas no debate sobre a existência de outras sexualidades e identidades. Quando deixamos de ver as pessoas LGBT como doentes, perversas ou criminosas, permitimos que elas façam parte da nossa família, do nosso círculo de amizade. Não basta eu dizer que não sou homofóbica e excluir as pessas LGBT do meu convívio ou, também, trata-las como sendo inferiores ou “diferentes”, comenta Máira.
No Brasil, golpes contra a inclusão
No Brasil, as políticas públicas voltadas à inclusão de pessoas LGBT sofrem duros golpes. O atual governo federal segue uma linha ideológica que reforça o preconceito e a defesa de valores baseados em fundamentalismo religioso. A ministra Damares Alves é evangélica e utiliza da Bíblia para defender a heteronormatividade em um ministério que anteriormente crescia na luta pela inclusão de minorias sociais e direitos humanos independentemente de questões religiosas.
O momento é grave, pois, como podemos alcançar mais igualdade, quando os avanços na pauta LGBT não vem do poder Executivo, tampouco do Legislativo? “A inclusão é fruto de uma longa e árdua luta, marcada por muita violência. No entanto, não é a sociedade que está mais aberta à existência das pessoas LGBT e sim essas pessoas que se impõem dizendo “estamos aqui, nós existimos e resistimos”. Nesse sentido, é muito recente a inclusão da discussão sobre sexualidade e também sobre a questão da desigualdade de direitos. Basta lembrarmos que o caso homoafetivo e a crimininalização da homofobia não são lei, mas decisões do STF”, finaliza Máira.
Autor: Fillipe Borba - Estagiário de JornalismoEdição: Mauri König
Créditos do Fotógrafo: Marília Melhado/Wikimedia Commons