A ideia boa era você, Peter Higgs!
Autor: *Daniel Guimarães TedescoDepois de dois meses da sua morte, posso dizer que perder Higgs (cientista britânico ganhador do Nobel de Física em 2013) é perder uma energia enorme! Perdemos a energia de um grande físico que sofria com a síndrome do impostor, mas que mudou o “como entendemos a matéria” com sua “única ideia boa que teve na vida” (palavras do próprio). Um evento na vida dele me chama atenção e era contado nas entrevistas: ao ser convidado para palestrar em Princeton, uma honraria para qualquer físico, pois Einstein foi um dos seus professores, teve uma crise de pânico no carro e precisou parar no acostamento para se recuperar. Eu me coloco na posição do Peter, pois a sua proposta era, no mínimo, muito estranha para a época. Só para vocês terem ideia, o trabalho que lhe deu o Nobel de 2013 ganhou o rótulo de “sem relevância para a Física”, na primeira vez que o submeteu à avaliação. Após algumas correções, o artigo teve a aceitação.
Peter Higgs era bem humorado, mas entenda que é um humor britânico. Quando estava chegando aos seus 80 anos, ao ser entrevistado sobre a busca do bentido (ou maldito) “bóson’ comentou que “tenho que pedir ao meu médico para me manter vivo”. Acredito que seu médico teve êxito, pois o Prêmio Nobel veio em seguida, quando ele tinha 83 anos, 50 anos depois da publicação do seu artigo.
Imagine você com uma teoria controversa, que muda a Física de Partículas e, de repente, ela é chamada de ‘Partícula de Deus’?! Esse apelido popularizado pela mídia veio do livro do também laureado Leon Lederman com o título original de “The Goddamn Particle” (A Partícula Maldita), pois estava bem difícil de detectá-lo na época. O editor do livro optou por reescrever como “The God Particle” (A Partícula de Deus), e que acabou criando uma conexão controversa com a religião. O Peter era ateu desde os seus 10 anos e se sentia bem desconfortável toda vez que tinha que falar sobre isso, porque poderia ser ofensivo para pessoas religiosas. Ele afirma que algumas pessoas acabam confundindo ciência e teologia, e fazem uso do que foi observado no Cern como prova da existência de Deus.
Higgs é também reconhecido por suas firmes posições políticas e sociais. Nos anos 60 e 70, ele se opôs à gestão da Universidade de Edimburgo, em relação aos protestos estudantis e ao envolvimento com empresas na África do Sul, durante o apartheid. Em 1999, ele recusou o título de cavaleiro pois tinha críticas ao sistema de honrarias do Reino Unido, que considerava politicamente manipulado. Além disso, ainda tinha uma posição sobre a independência da Escócia que reflete uma preocupação com a direção política do Partido Conservador britânico e o relacionamento do Reino Unido com a União Europeia.
E por fim, a trajetória dele fica marcada também pela crítica aos indicadores de produtividade atuais da pesquisa mundial. Ele tinha noção que hoje ele não teria bolsa de pesquisa, pois considerava necessária a tranquilidade para realizar seu trabalho. Essa busca por resultados e pressão por publicações, cada vez mais frequentes, podem sufocar a criatividade e a ousadia intelectual, elementos cruciais para grandes avanços científicos e que eram ingredientes da ideia do bóson “celestial”. Higgs contou que sua carreira poderia ter sido encerrada precocemente, se não fosse a nomeação ao Nobel em 1980 – crucial para sua permanência na Universidade de Edimburgo. Sem essa perspectiva, a liderança da instituição cogitava dispensá-lo por considerar sua produção científica insuficiente.
Assim, Peter Higgs ensinou que na vida acadêmica, uma leve dose de humor britânico e uma única ideia brilhante podem ser mais revolucionárias do que um mar de publicações. Sua trajetória é um lembrete profundo e cínico de que a verdadeira genialidade, reside na capacidade de ver além das convenções, rindo pelo caminho e reclamando da fama.
Daniel Guimarães Tedesco é Doutor em Física pela UERJ, Professor da Escola Superior de Educação, Humanidades e Línguas e do Programa de Pós-Graduação em Educação e Novas Tecnologias no Centro Universitário Internacional Uninter.
Autor: *Daniel Guimarães Tedesco