A fome voltou com força na pandemia. Como o nutricionista pode ajudar?

Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo

Durante um curto período de tempo, entre os anos 2013 e 2017, o Brasil saiu do mapa da fome, de acordo com publicações do Indicador de Prevalência e Subalimentação divulgadas pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO). Já entre 2017 e 2018, a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta a insegurança alimentar grave para 10,3 milhões de brasileiros.

Em dezembro de 2020, a insegurança alimentar ultrapassou 59% dos domicílios. O maior impacto de casos graves cai sobre os nortistas (29,2% dos lares) e nordestinos (22,1% dos lares). Em recortes por sexo, as chefes de família mulheres (25,5%), e em recortes por raça, os negros (66,8%), também lideram os índices. O Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan) e divulgado no último mês de abril, 19 milhões de brasileiros passam fome no país e mais da metade dos lares (55,2%) estão em algum grau dessa insegurança.

O professor e nutricionista Alexsandro Wosniaki, que atua na prefeitura de Araucária, região metropolitana de Curitiba (PR), explica que “a premissa da segurança alimentar é a autonomia das escolhas”. A partir do momento em que os indivíduos têm que se privar de algum alimento ou substituir por uma opção mais barata para garantir a alimentação até o final do mês, já se enquadra na insegurança, ainda que não esteja passando fome.

“Não estou substituindo a carne vermelha por ovo porque acho que é mais saudável, que vai me fazer melhor. Estou substituindo porque não tenho poder de compra. Chamam o nutricionista para falar ‘a gente não pode comprar carne, quais são as opções?’. A gente deveria pensar de forma mais ampla: Por que não dá para comprar carne? O que está faltando de política pública, de incentivo, para que a gente possa consumir o que a gente quer?”, salienta.

Wosniaki lembra ainda que há dez anos o que se conseguia comprar com R$ 100,00 hoje já não é possível. “Então, R$ 300 resolve o problema? Ameniza? Para algumas pessoas talvez não garanta a segurança alimentar, mas aquela primeira alimentação. Não acho que resolva, talvez ameniza, mas a gente tem que pensar em questões que sejam estruturantes para que possa depois não depender desses R$ 300”, complementa.

O profissional conta que, até 2019, o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) distribuía 2 mil cestas básicas por ano em Araucária. Durante todo o ano de 2020, até o final de abril de 2021, o benefício eventual de alimentos ultrapassou 15 mil kits. “E se a gente tivesse orçamento para comprar mais, a gente poderia tranquilamente entregar 30 mil cestas”, afirma.

A segurança alimentar e nutricional vai muito além de oferta de alimento, é um processo por todo o circuito alimentar saudável que tem o intuito de evitar problemas como o que se vê hoje, do pequeno agricultor não conseguir vender as produções realizadas, por exemplo. O nutricionista lembra do conceito de one health, a saúde única, que engloba a humana, a ambiental e a animal, em uma inter-relação. É preciso pensar mais do que apenas na política emergencial de entrega, mas também na política estrutural, e como garantir que mesmo depois da pandemia a população tenha acesso à alimentação.

A ação do nutricionista durante a pandemia

A rede municipal oferece diversos espaços de apoio e acolhimento à população, que inclui os profissionais de nutrição. Alguns deles são o Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), que funciona como uma porta de entrada para pessoas de vulnerabilidade, sem acesso a serviços de assistência; o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), para casos de média complexidade e que precisam de maior atenção; o Centro de Referência de Atendimento à Mulher (CRAM), especificamente para todos os tipos de violência contra a mulher, não só a física; o Centro de Idoso; e os Acolhimentos Institucionais, que atendem pessoas adultas em situação de rua e também crianças que, por algum motivo, os pais perderam a guarda.

Com a paralisação da maioria dos serviços, devido à necessidade de isolamento social, os profissionais precisaram readaptar as funções exercidas. Aqueles que trabalhavam com alimentação escolar, por exemplo, agora são responsáveis pela oferta de kits que os estudantes retiram para fazer a refeição em casa. Na linha de frente de combate à pandemia, há a participação de nutricionistas nas unidades de terapia intensiva (UTIs). “Nesse sentido, a gente fala com bastante orgulho, porque é algo que saiu do Paraná”, conta Wosniaki.

Apesar de não existir nenhuma proibição sobre acompanhamentos clínicos online, ainda existiam restrições para primeira consulta e mudança de diagnóstico. A ampliação da teleconsulta, inclusive para primeiros atendimentos, foi permitida até o final da pandemia, através da resolução nº 646. Outras resoluções de cunho administrativo foram em relação a anuidade dos profissionais regularmente inscritos e ativos, que se diluiu em parcelas, aumento de prazo, sem reajuste do valor. Mas ainda há questões relacionadas à vacinação dos nutricionistas que continuam em discussão.

O professor Alisson Silva, que atua no curso de Nutrição da Uninter, diz que “às vezes as pessoas veem o nutricionista só como uma pessoa que é para emagrecer ou ganhar músculo, que só trabalha em clínica”. Mas Wosniaki pontua que “de maneira geral, ficou claro para a gente que o nutricionista é extremamente importante em todas as áreas”. Seja na produção de alimentos, recuperação do estado nutricional nos hospitais, reabilitação de pacientes extubados, fornecimento de kits alimentares para os estudantes, compras e distribuição de cestas básicas na assistência social, entre várias outras funções desempenhadas.

“Eu vejo que muito do que aconteceu nessa pandemia veio para ficar”, conclui o nutricionista. Alexandro apresentou esses e outros tópicos sobre o tema Ação do nutricionista na pandemia durante a 2ª Maratona da Saúde, intitulada “Pandemia: tendências e aprendizados”. O professor Alisson mediou todo o bate-papo, que contabiliza quase mil visualizações e segue disponível para acesso, na página Maratonas para Desenvolvimento Sustentável Uninter.

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Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo
Edição: Mauri König
Créditos do Fotógrafo: Marcus Maciel/Flickr


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