A filosofia olha a Terra do espaço para falar de consumo e produção consciente
Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo
As questões ambientais só começaram a ser um problema para a sociedade a partir do momento em que o primeiro ser humano viaja para fora do planeta. Quando o homem vai à Lua, tem a oportunidade de enxergar que a Terra, toda azul e cheia d’água, é uma exceção em meio a todo o resto “morto” em volta, como conta o professor Jelson Oliveira, doutor em filosofia e coordenador do programa de pós-graduação de filosofia da PUC-PR. “A gente se deu conta que a Terra não era aquela coisa grandiosa, inabalável, que a gente podia sair por aí matando bicho e florestas”.
Até então, a população não via qualquer impacto sobre a poluição dos rios e oceanos, a caça de animais, o desmatamento, a emissão de gases para a atmosfera. Isso por dois motivos: primeiro, as pessoas acreditavam que a Terra era grande demais e conseguiria digerir tudo; segundo, porque pensavam ser pequenos demais para destruir um espaço tão imenso. A questão é que, em menos de 100 anos, a população passou de 2 bilhões para quase 8 bilhões de pessoas.
Com as novas percepções advindas de viagens espaciais, cientistas passaram a refletir sobre os impactos gerados com este modelo de vida. Surgem então, nos anos 1970, movimentos ecológicos e, em 1979, o filósofo Hans Jonas lança o livro “O princípio responsabilidade”. De encontro com isso também vem a teologia da libertação, que tem Leonardo Boff como um dos expoentes no Brasil, para pensar as questões ambientais. De acordo com Oliveira, essa corrente teórica se dá porque “eles foram se dando conta que o problema era tão grande que não adiantava a gente tratar de questões ligadas ao desenvolvimento social se não pensasse a relação dos seres humanos com os outros seres que coabitam esse planeta”.
Além de toda a destruição territorial, o especialista aponta o regime alimentar baseado em carne como um dos principais problemas da humanidade. Isso vem do fato de que, para criar gado é preciso plantar pasto e para isto é necessário o desmatamento de florestas. Sem contar que a maior parte da carne do Brasil é exportada e, com o confinamento de tanto gado, ainda há a geração lixos e dióxido de carbono para a atmosfera, somado a necessidade de mais fazendas para plantações de soja e milho que alimentem os animais. “Isso é o que Boff vai chamar de crise civilizatória”, afirma Oliveira.
Todo esse modelo crítico ainda é sustentado teoricamente por teologias e filosofias que colocam o ser humano como superior, com uma “ética insuficiente”. Segundo o professor, os lemas dos modelos éticos em que se vive até hoje dizem respeito à vida inter-humana, no âmbito das cidades e no momento presente, sem pensar no ambiente extra-humano e, menos ainda, naqueles que ainda não nasceram.
Oliveira ressalta que atualmente “estamos vivendo a sexta onda de extinção na vida na Terra”. A última vez que isso aconteceu é muito conhecida pelo sumiço dos dinossauros, mas poucos sabem que, além deles, foram juntas 75% das formas de vida que havida no planeta. O profissional explica que esse fato não aconteceu de repente, como mostra o cinema, mas “foi extremamente lento”. A sexta onda, vivida agora, é de cem a mil vezes mais rápida, apontam os especialistas. “Na biologia moderna, o ritmo de catalogação das espécies vivas é muito mais lento do que o ritmo de desaparecimento das espécies não catalogadas”.
De acordo com o professor, “dados mostram que 60% dos animais da América Latina desapareceram nos últimos 500 anos”, desde a chegada dos povos europeus. E este número só tende a crescer. A girafa é um, entre milhares de outros animais, que está na lista de extinção. “Como é que a gente pode dormir com um barulho desse?”, questiona Oliveira.
Para piorar, a humanidade vive um período de negacionismo muito forte. “A partir da publicação de Jonas só piora e, embora foi crescendo a consciência do problema, também foi diminuindo a condição política de enfrentamento”, afirma o especialista. Um fato recente e que demonstra a falta de condição é a saída dos Estados Unidos, com o governo Trump, do Acordo de Paris. “O que essa elite quer é sair do planeta”. Isso leva a Terra a uma crise política, ocasionada por uma “utopia de mundo comum”, que está morrendo, “porque a elite do mundo está se dando conta que não existe mundo para todo mundo”.
O aquecimento global é um fenômeno que está quase fazendo “redesenhar o mapa do mundo”. “Vários lugares vão desaparecer, a gente não consegue imaginar essa catástrofe, é muito difícil. O nosso problema é que a nossa mente, a mente dos nossos políticos, não funciona bem. 1% na temperatura do planeta traz um absurdo em termos de consequência para a vida em geral. Os cientistas do clima começam a lançar seus relatórios, que são cada vez mais graves. E de outro lado, o mundo da política parece incapaz de solucionar o problema”, salienta Oliveira.
O professor acredita que as pessoas ficam presas na própria bolha por medo e incômodo gerado pelo conhecimento, já que “ninguém quer saber que o mundo está acabando”. E também diz que a educação é o caminho mais efetivo para mudar esse cenário.
“Hoje um professor de filosofia que não trate dessa questão em sala de aula não é um professor de filosofia, no meu ponto de vista. A filosofia não pode fechar os olhos a essa tarefa que é dela também, de mobilizar. A última página do livro de ética, que a gente escreveu ao longo desses dois mil e quinhentos anos de filosofia, é uma página que trabalha com a questão dos desafios ambientais. Começa por aí”, conclui.
Oliveira expôs a importância da reflexão trazida pelas éticas do cuidado e de responsabilidade, apresentadas por Boff e Jonas, no primeiro dia das aulas magnas, realizada pela área de Exatas da Escola Superior de Educação (ESE) da Uninter, com o tema Consumo e produção responsável.
Guilherme Pianezzer, professor da Uninter e mediador do evento, explica que “temáticas que às vezes são muito discutidas passam por um senso comum e carecem de aprofundamento. A ideia é que a gente possa pensar de uma forma um pouquinho mais expandida”. Além dele, o coordenador de área, Paulo Martinelli, e o professor Elzério Junior, participaram da conversa. A transmissão do dia 12.abr.2021 segue disponível para acesso, na página do Facebook e no canal do Youtube.
Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de JornalismoEdição: Mauri König
Créditos do Fotógrafo: NASA e reprodução