A diferenciação de usuário e traficante: PEC 45/2023 e o encarceramento em massa

Autor: Bryan Bueno Lechenakoski*

Na contramão da discussão promovida pelo Supremo Tribunal Federal sobre a possibilidade de descriminalização da posse para uso pessoal da substância entorpecente, popularmente conhecida como maconha, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou no dia 13 de março o Projeto de Emenda Constitucional nº 45/2023, que pode elevar ao status de emenda constitucional a proibição e criminalização da posse de qualquer quantidade de droga.

Com a inclusão no artigo 5º da Constituição Federal, o inciso LXXX passaria ter o seguinte teor: “a lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”.

Neste debate, é importante relembrar os dados significativos de antes e depois da Lei 11.343/06 (Lei de Drogas), que foi responsável por trazer alguns critérios para diferenciação entre usuário e o traficante, bem como, supostamente, descarcerizar o usuário de substâncias ilícitas, mas ainda mantendo como ilícita a conduta.

Esperava-se uma diminuição da massa carcerária, mas o que se viu foi um maior aprisionamento pelo delito envolvendo entorpecentes. Em 2005, o número de presos envolvendo entorpecentes era em torno de 32 mil pessoas, sendo que em 2023 passou para 199.731 presos pela lei de drogas (SISDEPEN, 2024). Isso corresponde a 31% da população carcerária total (644.316 presos).

Em relação ao crime envolvendo entorpecentes, é importante destacar que, de acordo com pesquisa publicada pelo IPEA em outubro de 2023, entre os réus processados por tráfico de drogas, 68% são negros, de até 30 anos (72%), com baixa escolaridade, sendo que 67% não concluiu o ciclo de educação básica. Esse número é um grande contraste com os dados sobre pessoas brancas, que totalizam 31% dos réus processados por crimes envolvendo drogas (SOARES, MACIEL, 2024). Somado a este fato, tem-se que a pesquisa do IPEA concluiu que a população negra é mais frequentemente alvo de ações policiais ostensivas, que prescindem de investigações elaboradas e que são embasados em “fundamentada suspeita”.

Portanto, verificam-se os efeitos nefastos provocados pelo grau de subjetividade dado no artigo 28, §2º da lei 11.343/06, critérios para verificação se a droga se destinava ao consumo pessoal, abrindo margem para a inserção de critérios não declarados. Além disso, as  autoridades estatais atuam com seletividade e à margem da lei, perseguindo determinado grupo social considerado como necessário a ser neutralizado pelo sistema penal, desde a abordagem policial até a etiqueta de criminoso colocada com sucesso na pessoa pertencente ao grupo perseguido – teoria do labelling approach- (ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA e SLOKAR, 2006).

A par destes fatores, o questionamento que se faz em relação à própria PEC 45/2023 é justamente no sentido da manutenção de um sistema seletivo de direito penal, de encarceramento em massa da população jovem, negra, de baixa escolaridade e de baixa renda. Em síntese, devemos questionar: a quem serve a política de drogas?

* Bryan Bueno Lechenakoski é mestre em Direito, especialista em  direito penal e processual penal. Pós-graduado em Direito Contemporâneo com ênfase em Direito Público – Curso Jurídico. Membro da Comissão da Advocacia Criminal – OAB/PR. Advogado criminalista. Professor no curso de Direito da Uninter.

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Autor: Bryan Bueno Lechenakoski*
Créditos do Fotógrafo: MurrrPhoto/Pixabay


1 thought on “A diferenciação de usuário e traficante: PEC 45/2023 e o encarceramento em massa

  1. mais uma vez o Brasil e seu sistema legislativo indo na contra-mão dos acontecimentos mundiais e alheio aos acontecimentos do próprio sistema carcerário, visando como sempre apenas prender criminalizar e marginalizar a população, embora as leis são para todos, cada vez mais é crescente o numero de negros no sistema carcerário, invés de ajudarmos o viciado o rotulamos como marginal e sentenciamos a uma vida no crime.

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