Eram os deuses programadores? Ou seria Deus um gamer?

Autor: *Daniel Guimarães Tedesco

Quando eu fazia graduação na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), uma frase que eu ouvia muito era “o papel aceita tudo, sem reclamar”. Não sei de quem é o aforismo, mas o ressurgimento na mídia de uma hipótese de universo simulado me lembrou dessa frase. Me lembrei também do livro “Eram os deuses astronautas?”, que via sempre na mesa de estudos do meu irmão e que apresentava uma hipótese: seres extraterrestres teriam sido interpretados como deuses pelos humanos primitivos. Ele até tem bons argumentos, mas foram todos rejeitados pela comunidade científica.

Um tempo depois, com o imaginário construído em torno do sociólogo Baudrillard, do filme Matrix, do filósofo Nick Bostrom e afins, agora nos perguntamos: eram os deuses programadores?  

Digamos que um artigo de 2017, ressuscitado pela mídia, propõe experimentos para verificar que o universo é uma mistura de física computacional com um leve toque daquela velha e boa filosofia de boteco: o que você vê, ouve, e sente não passa de uma “renderização” feita por uma consciência maior. Eu adoro essas hipóteses, porque é muito mais lógico acreditar que uma mente gigante está por aí, brincando de uma versão misturada de Minecraft e The Sims com a gente, do que aceitar que a realidade é composta de partículas, campos e etc (tom sarcástico). Se bem que “o papel aceita tudo”, certo?

O mentor dessa hipótese é Ph.D Thomas Campbell (Caltech e NASA), que resolveu iniciar um crowdfunding para conseguir verba para realizar os experimentos para testá-la. 

Não posso negar que gostei da ideia justamente pelos experimentos enunciados. O primeiro deles é detectar o “qual-caminho” (por qual fenda o elétron/fóton passou) mas não gravar essa informação. A ideia é que, se a realidade for renderizada apenas quando a informação está disponível para um observador consciente, então mesmo com detecção, se não houver gravação, um padrão de interferência (comportamento de onda) deveria ser observado. Eu achei genial, mesmo!

E o que dizer do experimento de apagar a informação do caminho em escala macroscópica? Eles propõem gravar a informação do caminho e os dados do padrão de interferência em dispositivos separados, e aleatoriamente destruir alguns dos dispositivos com a informação do caminho antes da observação. Se o padrão mudar de partícula para onda, seria uma forte evidência de que a realidade é “renderizada” sob demanda.  

A ideia é pegar um par de fótons emaranhados (sim, eles existem) e usar um deles para prever o destino do outro. Se der certo, seria como se o padrão observado “escolhesse” o futuro do fóton emaranhado.  Apesar de toda a empolgação com a simulação, temos que ter a ideia da hipótese que ainda surge com um certo grau de especulação. Afinal, para simular todo o universo com precisão quântica, seria necessário um poder computacional absurdamente maior do que qualquer coisa que possamos imaginar. Um grupo de Oxford calculou que seriam necessários mais átomos do que existem no universo observável para armazenar a informação necessária para uma simulação tão grandiosa. E isso sem falar na capacidade de processamento necessária para realizar os cálculos. Estamos falando de uma complexidade computacional que faria até os supercomputadores mais avançados parecerem calculadoras de bolso. 

Enquanto isso, vivamos como NPCs (personagens não jogáveis) em um mega-jogo, esperando a escatologia ou o grande reset do arquiteto do software. 

*Daniel Guimarães Tedesco é Doutor em Física pela UERJ, Professor da Escola Superior de Educação, Humanidades e Línguas e do Programa de Pós-Graduação em Educação e Novas Tecnologias no Centro Universitário Internacional UNINTER. 

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Autor: *Daniel Guimarães Tedesco
Créditos do Fotógrafo: PX Here


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