A importância dos direitos humanos no ambiente empresarial

Autor: Nayara Rosolen - Jornalista

“Quando falamos de direitos humanos, falamos de pessoas, portanto de dignidade”, afirma a especialista em Direitos Humanos, Responsabilidade Social e Cidadania Global, Cássia Almeida. Empresas que não se adequam às questões de direitos e responsabilidade socioambiental têm cada vez menos espaço no mercado. Embora exista uma relação primária à dignidade de cada indivíduo, leis também têm sido aplicadas para aquelas que visam o lucro como prioridade.

Em abril deste ano, por exemplo, a União Europeia aprovou a Diretiva de Due Diligence de Sustentabilidade Corporativa (CS3D), na qual diz que, a partir de 2027, todas as empresas que queiram fazer negócio com os 27 países pertencentes, precisarão provar que a organização e seus fornecedores respeitam os direitos humanos e o meio ambiente.

Deste lado do Atlântico, o Brasil e demais países que fazem exportação para as empresas europeias também são impactados. Portanto, as questões ambientais, sociais e de governança (ESG) expõem cada vez mais a importância do papel e da obrigatoriedade que as organizações possuem ao adotarem as pautas, ampliarem as discussões e tornarem efetivo internamente.

De acordo com Cássia, os direitos humanos dentro de uma empresa aparecem desde o momento em que uma vaga é anunciada. A profissional inclui como principais a remuneração salarial justa, os benefícios, o respeito às pessoas e à diversidade, assim como um ambiente com condições adequadas para que as atividades sejam desenvolvidas.

“Quantas empresas têm um discurso bonito, uma série de compromissos, mas não entregam um ambiente adequado, seja física ou emocionalmente? Falamos desde a diversidade real e remuneração justa, até questões de pressão e saúde mental. A grande importância está na dignidade do ser humano. Isso não deveria nem ser discutido, mas se a empresa não tem esse viés, então nem que seja pela sua reputação”, diz a profissional.

A dignidade também é um dos princípios básicos dos direitos humanos para o gerente de Gestão de Pessoas do Grupo Uninter, Joel Ziemann Ferruci, junto com a igualdade e liberdade para todos. “Respeitando a individualidade de cada ser, tratando todos com justiça, garantindo sempre as melhores condições laborais, seguras e saudáveis, e não permitindo atitudes discriminatórias ou de exploração de qualquer natureza”, salienta Joel.

Além da reputação, a especialista diz que estas questões impactam diretamente a produtividade dos colaboradores e a retenção de talentos. Cássia alerta sobre a quantidade de pessoas que são afastadas do trabalho por adoecerem no ambiente corporativo. Em organizações que muitas vezes pregam uma mensagem, mas não a realizam na prática. “Muitos colaboradores bons acabam desistindo, saindo de uma empresa por não ter seus direitos básicos atendidos”, alerta Cássia.

Como um “otimista de plantão e entusiasta por natureza”, Joel acredita no trabalho responsável que a grande maioria das empresas vêm fazendo. Embora admita que muitas vezes o tema é mais perfeito na teoria do que na prática, ele consegue enxergar a evolução de “ações muito bem-intencionadas”, com aprimoramentos a cada dia.

“Por mais que busquemos incessantemente o melhor, às vezes erramos e isso é absolutamente natural, pois somos seres falíveis. O importante é desafiar a nossa infindável capacidade de nascer e renascer todos os dias, entregando o nosso melhor, com a execução de todo o potencial existente em cada um. O nosso grande desafio é buscar a consciência coletiva de que errar faz parte do contexto, mas nunca negligenciar as nossas melhores atitudes para com os outros”, declara o profissional.

Desafios e oportunidades

Apesar de muitas coisas estarem em lei, Cássia diz que algumas outras ganham espaço timidamente, como é o caso do etarismo e, mais especificamente falando das mulheres, o período da menopausa, que se enquadra também nas questões de gênero. A profissional cita o constrangimento gerado pelo preconceito, já que aparecem sintomas físicos, como o calor e a variação hormonal.

“Nós esquecemos que só não fica velho quem morre. Aquelas mesmas brincadeirinhas de colégio voltam a acontecer nos 50 e poucos anos, quando está dentro de uma empresa”, aponta.

Cássia cita pesquisas que apontam uma média de salário 20% mais baixo para mulheres, que cresce em posições de liderança para até 30%. “Não tem justificativa. Seria a capacidade? Muito pelo contrário, a mulher ainda tem que provar mais e mais e mais que é capaz”.

Com uma rica trajetória de experiências nacionais e internacionais, Cássia conta que profissionais do exterior apontam o trabalho em relação às diversidades já no ensino básico, desde a infância. Uma questão cultural que não acontece no Brasil, mas que não só pode como deve ser realizada pelas organizações, já que os profissionais normalmente não se aprofundam no tema fora do espaço. A partir de uma iniciativa que envolva o mapeamento, programação, inclusão efetiva, acompanhamento e ajustes de melhoria.

A polarização e o imediatismo contemporâneo muitas vezes dificultam ainda mais a convivência com o diferente. “A tolerância está mínima e não é só no Brasil. Nessa rapidez, não há mais tempo para ternura, educação e cuidado. Isso é inerente a todo ser humano”, explica Cássia.

A profissional aposta em uma comunicação mais clara e assertiva. “Quando comunicamos, falamos de nossas coisas, temos que perceber que estamos falando para outra pessoa que é diversa. Tenho que fazer um esforço para aquela pessoa me entender. Temos a possibilidade da paz e do conflito o tempo inteiro. Quando tenho consciência de que somos diferentes, estou atendendo a isso”. Na Uninter, o gerente de Gestão de Pessoas diz que isso é tratado pela prática do exemplo, de cima para baixo, pelos acionistas e demais lideranças. A partir da intolerância ao desrespeito ao outro e pela exaltação ao respeito às pessoas, que é o primeiro valor estratégico da instituição.

A humanização se torna essencial neste processo. Cássia salienta que antes de rotular pessoas como “más”, é importante observar se a empresa tem feito um letramento interno a respeito destas questões. Caso contrário, estará apenas falando de diversidade e não realizando uma inclusão de fato.

“Você tem [dentro de uma organização] pessoas diferentes, de criações e origens diferentes, que muitas vezes não estão preparadas para aceitar um outro diferente. Essa é a grande obrigação da empresa, abrir para isso e trabalhar de forma efetiva. Não dá para fazer, por exemplo, uma campanha sobre valorização das mulheres e apenas uma vez por ano fazer uma palestra no Dia das Mulheres”, aponta.

Estratégias e ferramentas facilitadoras

O primeiro passo, de acordo com a profissional, é a tomada de consciência dos gestores. Seja para tomar a iniciativa de colocar em prática ou estar aberto para receber uma sugestão e desenvolver. “Muitas vezes, a pessoa tem consciência, mas o ambiente da empresa não possibilita que externalize e traga sugestões”, explica.

“A partir daí, inserir na questão estratégica da empresa e realizar o letramento em 360 graus. Se a própria liderança não estiver letrada e não tiver resistência, não será possível. É um trabalho que passa por todas as camadas hierárquicas e tem que estar na gestão estratégica, em todos os níveis, senão não será verdade”, complementa.

Quando fala em alinhar com a estratégia, Cássia cita que a empresa deve fazer uma reflexão sobre o que quer, como quer trabalhar, com quem e como se prepara para isso. A partir do levantamento do que tem, o que não tem e o que precisa ser feito, manter um acompanhamento para monitorar a efetividade das ações, pensar em como mitigar ou excluir o que não funciona. Além de realizar uma comunicação transparente e verdadeira.

“Acho que finaliza com a ética. E ética é o que? Fazer o correto, independente de quem está te olhando. Não a minha, a sua, a ética do momento ou do segmento. Não existe isso, ética é uma só”, ressalta.

Cássia aponta a ferramenta Due Diligence como fundamental e obrigatória para as organizações, que está prevista no documento dos 31 orientadores de direitos humanos para empresa da Organização das Nações Unidas (ONU), de junho de 2011.

Em solo brasileiro, o Pacto Global da ONU, o Alto Comissariado das Nações Unidas pelos Direitos Humanos (ACNUDH) e o Centro de Direitos Humanos e Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV CeDHE) lançaram em parceria a ferramenta BHR GAP Analysis Tool, “que vai permitir às empresas obterem um autodiagnóstico em direitos humanos em questão de minutos, indicando caminhos e próximos passos a serem adotados”, informa o site da FGV Direito SP.

A contribuição dos colaboradores nesse desenvolvimento é essencial. Dentro da Uninter, Joel garante que podem contribuir praticando os valores estratégicos, a começar pelo primeiro que é o respeito às pessoas.

“Entendendo que nossa individualidade é importante, mas somos seres integrantes de um coletivo, onde as diferenças se complementam e enriquecem as relações. Sendo intolerante ao desrespeito de qualquer grandeza, não aceitando e denunciando. Para isso, temos vários canais de comunicação”, afirma.

A base educacional

Com base no letramento, Cássia aposta na educação para que a diversidade se torne algo cultural, desde a infância. De acordo com a profissional, já existem alguns movimentos de professores e coordenadores pedagógicos trabalhando essas questões, já que as próprias escolas são um ambiente de conflito muitas vezes por causa das diferenças.

“Todas essas pautas estão vindo muito rápido, então quanto mais cedo tratar, melhor. Quando falamos que pessoas são diferentes não é que um é pior nem melhor, só somos diferentes, não somos iguais”, aponta.

Cássia trabalhou por 12 anos como superintendente executiva e consultora na Fundação de Asseio e Conservação do Paraná (FACOP) e lá criou o slogan “Somos pessoas, trabalhando com pessoas, para pessoas”. “Isso quer dizer que somos todos iguais? Não. Não somos todos iguais, e a diversidade começa aí. Claro, temos os grupos de raça, gênero e religião, por exemplo. Mas se excluirmos isso tudo, ainda seremos diferentes”, enfatiza.

Portanto, dentro das empresas é essencial que também aconteça a capacitação e letramento a respeito. Como palestrante, ela conversou com a turma do Programa Jovem Aprendiz, do Instituto IBGPEX em parceria com o Grupo Uninter, no dia 05 de abril de 2024.

Na oportunidade, a especialista fez um resgate histórico do trabalho, desde a pré-história, passando pelas revoluções industriais, o impacto disso nas Grandes Guerras e, consequentemente, no mercado profissional, nas diretrizes dos direitos humanos e legislação desde então.

“Despertou alguns estímulos, curiosidade, depois alguns jovens vieram conversar. Tem que ter uma fala amistosa, com revolta a gente não consegue nada. É um convite para que os jovens que estão se inserindo no mercado de trabalho, também para com suas ações e atitudes na vida, não só na empresa. Trabalhei para que percebam em si quais são suas dificuldades, seus preconceitos, em como pode contribuir. Aquilo até pode não me ser simpático, mas é o respeito que está ligado à dignidade. Acho que a grande mensagem é essa, trabalhar e começar em si mesmo”, conclui.

A responsabilidade social como herança familiar

Cássia é voluntária “desde sempre”, mesmo quando ainda não existia uma classificação. A prática nasceu dentro de casa, junto com a mãe dela. Elas faziam o que podiam, mas já com a mentalidade e consciência de que existem ações pontuais e outras em que assumem um compromisso. Então, todos os sábados a jovem realizava o trabalho voluntário em uma organização social.

“É sempre bem-vindo, mas é bom entender que se você se compromete com uma rotina, a instituição e os atendidos estão aguardando”, atenta a profissional.

Natural de Belo Horizonte (MG), ingressou profissionalmente na responsabilidade social há 12 anos, quando se mudou para Curitiba (PR) e assumiu o cargo de superintendente executiva da FACOP. Antes disso, já carregava uma bagagem de experiência em empresas de diferentes portes e segmentos, em posições de liderança.

Durante os 11 anos que ficou na Fundação, conseguiu junto com a equipe desenvolver e ampliar os atendimentos. Internamente também implantou uma série de coisas, como a revisão de valores e missão da organização.

A trajetória internacional inclui missões na Índia e África, onde estão os países mais pobres do mundo. Como voluntária da Fraternidade Sem Fronteiras, instituição brasileira com forte atuação no continente africano, teve a oportunidade de participar de duas caravanas médicas e pedagógicas para o Malawi, no campo de refugiados Dzaleka, que contabiliza mais de 60 mil refugiados.

Em outubro do ano passado, embarcou para a República Democrática do Congo, onde a Fraternidade resgata crianças órfãs, que em alguns casos não são mortas, mas ficam até morrer ou são resgatadas para serem guerrilheiros e “várias outras atrocidades”. Os pequenos são levados para Bukavu, cidade que Cássia chama de “vila de paz”. “Na hora que você entra ali, tudo muda”, conta.

“Uma das funções era auxiliar na inauguração da escola. Como não ia dar tempo de a construção ficar pronta, começamos aulas ao ar livre, embaixo das árvores, foi lindo. Hoje já existe um coordenador pedagógico, começamos um ateliê de costura, é tudo muito rápido. Já tem escola construída e casas separadas, é uma vila mesmo. Lá as crianças realmente se restauram física e emocionalmente. Você vai com uma finalidade e chega lá as oportunidades são tantas, as necessidades são tantas, que realmente desenvolvemos”, lembra.

Cássia usa toda a trajetória e experiência na responsabilidade social em suas palestras e trabalhos de consultoria, com constante atualização em cursos livres, desde gestão e negociação até diversidades e ações humanitárias.

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Autor: Nayara Rosolen - Jornalista
Edição: Larissa Drabeski


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