Milei, Davos e o dinheiro que não aceita desaforo
Autor: Guilherme Frizzera (*)Anualmente, em todo mês de janeiro, praticamente todo o PIB mundial se reúne na pequena cidade suíça de Davos. Durante uma semana, o Fórum Econômico Mundial reúne presidentes da República, ministros de Estado, lideranças econômicas e financeiras, ativistas e membros da sociedade civil para discutir sobre o futuro do mundo, principalmente as questões relacionadas à economia e, nos últimos anos, sobre as mudanças climáticas e políticas sustentáveis.
Para os presidentes recém-empossados, esta é a primeira ocasião para se apresentar ao mundo, minimizando as dúvidas, confirmando algumas impressões e garantindo (ou não) a confiança dos donos do dinheiro. Davos é uma oportunidade ímpar, pois são raros os encontros que proporcionam o encontro de diferentes atores globais importantes em um único lugar.
O maior destaque, vindo dos Alpes Suíços no encontro realizado neste primeiro mês, foi o discurso do presidente argentino Javier Milei. Durante 25 minutos, Milei teve a oportunidade de demonstrar de forma concreta quais seriam as medidas pretendidas por seu governo para reverter a gravíssima crise econômica que acomete a Argentina. Milei teve um palco, um púlpito e uma audiência para anunciar as balizas econômicas e financeiras consideradas fundamentais para trazer confiança dos donos do dinheiro, e trazer investimentos externos sólidos para a Argentina. Mas, como já esperado pelos analistas de política, resolveu utilizar esse cenário para realizar um discurso vazio de propostas e de ideias.
Estava presente no discurso do presidente argentino todo o roteiro já manjado da nova direita internacional. Destaca-se um ponto importante no discurso: Milei afirmou que o mundo vive a melhor fase de sua história e isso ocorre por conta do capitalismo. Porém, ao mesmo tempo, esse mesmo mundo passa por uma ameaça do avanço do socialismo. É uma contradição que mostra o fraquíssimo discurso do governante argentino, afinal, ou estamos bem por conta da consolidação e avanço do capitalismo, ou estamos sob ameaça, pois o socialismo se expande no mundo. Em se tratando de economia e por lógica, as duas coisas não podem ocorrer ao mesmo tempo.
A vitória de Donald Trump para presidente dos EUA em 2016 e de Jair Bolsonaro para presidente do Brasil em 2018 mostrou que o discurso das lideranças da nova direita possui pontos em comum. O risco iminente do inimigo comunista, os valores da civilização ocidental sob ameaça, os movimentos sociais e as ONGs com as suas agendas antiliberais formam um checklist facilmente encontrável em suas falas. Não se oferece mais um diagnóstico e muito menos a solução para um problema concreto, real e que afeta o cotidiano das pessoas, mas vende-se um palavreado vazio, apontando inimigos e mazelas irreais, voltado somente para a sua audiência. São discursos de coaching e não de política. No caso de Milei, o aspecto de coaching já se fez presente desde a sua posse, quando ele apontou que a situação ruim da Argentina irá piorar mais, numa espécie de salvo-conduto para as ações que serão tomadas, mas garantindo um futuro promissor depois de alguns anos. “Sem dor, sem ganho”.
No encontro do Fórum Mundial de Davos de 2019, a grande expectativa dos donos do dinheiro era conhecer o presidente Bolsonaro. Depois de 5 minutos de discurso, percepção geral foi de decepção, pois esperavam que o presidente brasileiro falasse mais sobre o que ele pretendia fazer. Para quem estuda as relações internacionais, o resultado é bem conhecido: tanto no aspecto político quanto no econômico, o Brasil se tornou um pária internacional. Mas aqui há de se destacar que Bolsonaro assumiu o governo brasileiro herdando certa estabilidade econômica e construindo alguma base política, resultando em uma certa margem para poder realizar discursos voltados apenas para a sua base eleitoral.
Esse cenário é completamente distinto para Milei, pois ele já assumiu um país afundado em uma crise econômica e sem muita base de apoio político no Congresso.
Milei estreou muito mal em sua primeira participação internacional. A sua exposição provavelmente não convenceu nenhum dono de dinheiro sério, além de ter confirmado muitas das impressões prévias que havia sobre o presidente argentino. Como Milei se autointitula como “ultraliberal” é bom ele se lembrar de uma velha máxima financeira: o dinheiro não aceita desaforo. E muito menos os donos dele.
Guilherme Frizzera é Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. É coordenador do bacharelado em Relações Internacionais do Centro Universitário Internacional UNINTER.
Autor: Guilherme Frizzera (*)Créditos do Fotógrafo: Ilan Berkenwald/Flickr