Escola não é quartel

Autor: Maria Eneida Fantin (*)

Colégios Cívico-Militares recebem kits finais do uniforme - Curitiba, 23/03/2022

A transformação de escolas públicas estaduais do Paraná em escolas cívico-militares foi um processo iniciado em 2019, fundamentado pelo Decreto Nacional nº 10.004 e pela Lei Estadual nº 20.338. Desde então, 207 unidades escolares tornaram-se escolas cívico-militares no estado. Sob uma leitura atenta da lei estadual, seus princípios, objetivos e diretrizes, observa-se que a maioria dos incisos apenas repete as reivindicações das lutas históricas da comunidade educacional brasileira, dos movimentos e reivindicações de professores, pais e estudantes das escolas públicas no Brasil. Não há, nessa legislação e nos procedimentos desse processo nenhuma fonte extra de verbas para as escolas cívico-militares, nenhuma alteração no processo de valorização dos professores, nada relativo à ampliação e melhorias das instalações, nenhum tipo de investimento financeiro ou humano.

Então, por que criar escolas cívico-militares? O pressuposto é que a simples presença de militares da reserva vai possibilitar que essas escolas finalmente alcancem as melhorias tão almejadas desde sempre. Escola e o quartel são espaços de natureza muito diversas e não devem ser confundidos, pois pertencem a instituições sociais com finalidades também muito diversas no que tange à formação das gerações futuras e à cidadania. Ambos têm seu papel na sociedade, mas são papeis muito diferentes.

Na nota técnica nº 60/2023 da Secretaria de Educação Básica (MEC) afirma-se que “em pesquisa conduzida pelo Instituto Datafolha e pelo Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da Unicamp identificou que 72% dos brasileiros ‘confiam mais em professores do que em militares para trabalhar em uma escola’ e que a população enxerga que os problemas das escolas públicas são mais relacionados à falta de investimento em infraestrutura e à desvalorização dos profissionais da educação do que à indisciplina ou a uma pretensa lacuna de patriotismo ou civismo”.

Um dos critérios de escolha das unidades escolares a serem inseridas no programa é que ela esteja em situação de vulnerabilidade social. Parece ser uma premissa de que o regime disciplinar, de punição e demais procedimentos próprios do quartel, vão resolver os problemas da rebeldia, da indisciplina e da violência oriundas das classes menos favorecidas. A escola é tida como incapaz de exercer seu papel e o processo educacional passa a ter na figura do diretor militar no comando da “gestão na área da infraestrutura, patrimônio, finanças, segurança, disciplina e atividades cívico-militares” (Art. 8º, inciso II, § 2º, Lei 20.338-PR).

Outro ponto a destacar é a perda da identidade das escolas cívico-militares, pois nelas perde-se o trabalho para a construção da gestão democrática participativa. Nas escolas cívico-militares os diretores serão indicados e não eleitos pela comunidade, perdendo-se uma conquista da luta dos professores, bem como todo o processo que inclui as candidaturas, as campanhas, os debates, até a eleição, envolvendo os pais, os estudantes, os funcionários. Perde-se um rico momento de reconhecimento da identidade da escola, de engajamento político de todos, de exercício de cidadania. Perde-se a identificação e o sentimento de pertencimento à escola, perde-se uma prática política que, por meio da eleição de diretor constitui um dos pilares da gestão democrática na escola.

Por fim, mas não esgotando o tema, ao tornar uma escola em cívico-militar o ensino noturno deixa de ser ofertado (Art. 13 da Lei 20.338). De acordo com dados publicados pela APP Sindicato, em números absolutos, cada escola militarizada no Paraná já perdeu de 100 a 283 matrículas, com grave prejuízo para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), que é oferecida no noturno. Dessa forma, o aparente aumento nos índices do último Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) se deu, de acordo com estudo publicado pelo Jornal Plural em 16 de dezembro, em função da exclusão dos estudantes do noturno e de turmas da EJA que, por suas dificuldades com as jornadas de trabalho e o estudo em geral apresentam menores índices de rendimento e frequência nas escolas.

No final de novembro de 2023, uma nova consulta pública foi feita para que mais 127 escolas do Paraná fossem transformadas em cívico-militares e a comunidade escolar aprovou a mudança de 83 colégios estaduais do Paraná para o modelo cívico-militar a partir de 2024, conforme a Secretaria de Estado da Educação e do Esporte (Seed-PR). Mas ainda é importante aprofundar esse debate e evitar mais exclusão e equívocos na escola pública do Estado.

* Maria Eneida Fantin é Mestre em Tecnologia. Docente dos cursos de Bacharelado e Licenciatura em Geografia da Área de Geociências do Centro Universitário Internacional Uninter.

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Autor: Maria Eneida Fantin (*)
Créditos do Fotógrafo: Silvio Turra/Seed-PR


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