A lei da desigualdade salarial
Autor: *Karla Kariny KnihsA chamada “Lei de proteção do trabalho da mulher” foi publicada no último dia 03 de agosto, alterando a Consolidação das Leis do Trabalho (pexelCLT) e trazendo novas disposições. Em muitos aspectos, essa lei chove no molhado: já existe no ordenamento jurídico um extenso rol de dispositivos legais que garantem a igualdade entre homens e mulheres – inclusive a igualdade salarial. A novidade é a que diz respeito ao endurecimento das multas em caso de constatação de discriminação e à criação de mecanismos de fiscalização e de controle.
Dentre as alterações legislativas promovidas, está a determinação da obrigatoriedade da publicação semestral de relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios pelas pessoas jurídicas de direito privado com 100 (cem) ou mais empregados, observada a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.
Os relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios devem conter dados anonimizados e informações que permitam a comparação objetiva entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos de direção, gerência e chefia preenchidos por mulheres e homens, acompanhados de informações que possam fornecer dados estatísticos sobre outras possíveis desigualdades decorrentes de raça, etnia, nacionalidade e idade, observada a legislação de proteção de dados pessoais e regulamento específico.
Perceba que a exigência desse tipo de relatório é, por si, discriminatória e pode servir para prejudicar homens e mulheres, jovens e idosos, negros e brancos, ao sabor das ideologias. Isso porque, da forma como a lei foi redigida, são desconsideradas as desigualdades naturalmente encontradas na sociedade.
Destacamos a presunção da lei de que as mulheres sejam preteridas a ocupar cargos de chefia, de gerência e de direção. Pensemos em um caso concreto: uma empreiteira que possua em seu quadro a seguinte composição: dois sócios homens, de 48 e 50 anos, ambos engenheiros civis. Um diretor, homem de 60 anos, formado em engenharia civil. Dois gerentes, sendo uma mulher de 29 anos, engenheira civil, que exerce o cargo há 2 anos e um homem de 32 anos, engenheiro civil, que está no cargo há 10 anos e ganha 20% a mais que a sua colega. Dez mestres de obras e 102 pedreiros, todos homens.
Diante da redação da lei, fica difícil conceber como essa composição apareceria nos relatórios, bem como, qual leitura seria feita: uma empresa de construção em que quase a totalidade dos funcionários é masculina e em que os cargos de direção e chefia são ocupados por homens com mais de 30 anos, pode ser considerada discriminatória?
A interpretação objetiva dos dados não leva em consideração as estatísticas multifatoriais, como, por exemplo, a que aponta que nas turmas de engenharia, as mulheres representam, em média, 30% dos alunos nos dias atuais, sendo que há 10 ou 20 anos, eram ainda mais escassas. Ou a que afirma que os homens que ocupam cargos de gerência trabalham cerca de 30% a 50% mais horas que a média da população, o que pode não ser tão atraente para a maioria das mulheres, que prefere trabalhar menos horas e passar mais tempo com a família.
Ainda pensando no exemplo, quando a lei fala da proporcionalidade dos cargos de chefia, gerência e direção, seria discriminatório não enquadrar os demais cargos, isonomicamente, exigindo pelo menos 50% de mulheres pedreiras.
Por fim, não fica claro a quem competirá dizer que há discriminação e nem mesmo quais serão os critérios a serem aplicados. Isso cria enorme insegurança jurídica e traz ainda mais tensão às relações trabalhistas. Na ânsia de proteger o trabalhador, criou-se mais um risco de conflito, que pode acabar por prejudicá-lo.
*Karla Kariny Knihs é advogada trabalhista, especialista em Direito do Trabalho. Mestre em Direito e professora da Escola Superior de Gestão Pública, Política, Jurídica e de Segurança no UNINTER.
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