Precisamos deixar meninas serem quem elas são e querem ser, afirma diretora Jennifer Reeder

Autor: Thales Godinho - Especial para a CNU

A noite de encerramento da 12ª edição do Olhar de Cinema exibiu “Agressor“, longa-metragem dirigido pela estadunidense Jennifer Reeder. A exibição ocorreu na noite de 21 de junho, no Cine Passeio, onde lotou as salas Ritz e Luz. A projeção foi sucedida pela cerimônia de premiação do festival.

No filme de terror de Reeder, a adolescente Jonny (Kiah McKirnan) ganha habilidades sobrenaturais por meio de uma transformação mística, ao mesmo tempo em que meninas desaparecem em sua nova escola. Jonny decide iniciar sua própria investigação e ir atrás do assassino mascarado. A trama ecoa um dos filmes anteriores da realizadora, “Knives and skin”, drama de 2019 que investiga os efeitos de uma pequena cidade após o desaparecimento de uma jovem.

A diretora estreou em 1995, com o curta-metragem “White trash girl”. Desde então, são 17 trabalhos assinados na função, entre eles um segmento da antologia de terror “V/H/S/94” e “Lago Cristal”, curta exibido em 2017 no festival internacional de Curitiba. Reeder despontou nos últimos anos como um dos principais nomes do cinema alternativo de horror, conciliando códigos da Hollywood clássica com temas contemporâneos e emergentes, especialmente a identificação queer.

Seus filmes geralmente abordam relacionamentos, traumas e superação. As inovadoras narrativas de Reeder se inspiram em uma variedade de formas, incluindo programas de TV, videoclipes amadores e realismo mágico. Além do Olhar de Cinema, as obras da diretora já rodaram o mundo, como nos festivais de Sundance, Berlim, Tribeca, Rotterdam, Londres, e Veneza.

“Agressor” é uma obra que consolida os temas mais caros a diretora. Sobre a exibição e o destaque do encerramento, a diretora concedeu uma entrevista para a Central de Notícias Uninter (CNU). Confira abaixo.

Você pode explicar o que significa ter seu filme exibido em um festival de cinema brasileiro?

Ter um filme convidado e ter feito um filme que também parece capturar algum aspecto do que é uma experiência adolescente muito americana ou um tipo muito americano de violência contemporânea, e mesmo assim que seja abraçado fora dos Estados Unidos, é exatamente o que eu quero. Acho que, em geral, o Brasil tem um engajamento incrível com as artes e a cultura. Acho que o Brasil tem tantos músicos interessantes, poetas, artistas visuais e outros cineastas que estão surgindo diretamente daí, então é muito legal ser abraçado por esse festival e adoro que este ano seja a retrospectiva do Cronenberg, o que parece muito legal ter feito algo que parece se encaixar no horror corporal e é muito legal ver meu nome no mesmo espaço que o dele.

E como você se sente em relação a esse filme ter sido selecionado como o filme de encerramento do festival?

Eu não sabia disso até mais cedo nesta semana. Quero dizer, eu fico um pouco separada dos convites do festival e de alguns dos dele porque tenho distribuidores que lidam com isso. Então, quando fui contatada mais cedo nesta semana para fazer uma introdução em vídeo e porque o filme ia encerrar o festival, fiquei muito emocionada. Não espero encerrar um festival como este, um filme americano, uma cineasta americana fechando um festival brasileiro, mesmo que seja um festival que ama filmes de gênero. É uma honra tão grande. Realmente, estou profundamente honrada e aprecio muito isso. Não esperava.

Como você acha que seu filme ressoa com o público e a cultura brasileira? Há algum tema ou questão que você acha que é relevante ou importante para os brasileiros?

Em “Agressor”, há muitas pessoas com diferentes cores de pele na frente da câmera, e eu vejo o Brasil como uma mistura cultural, étnica e racialmente muito bonita. No final do dia, os Estados Unidos também são assim, exceto pelo fato de que, se você apenas visse as más notícias vindas dos Estados Unidos, se sentiria terrivelmente oprimido e muito alinhado com o patriarcado branco, masculino etc. Então, por um lado, eu esperava que o público brasileiro, talvez especialmente as adolescentes, desde as meninas de pele mais escura até as meninas com cabelos texturizados, pudessem ver um filme como este e sentir que estão se vendo na tela. Por outro lado, mesmo que “Agressor” seja um filme de gênero ou adjacente ao gênero, acho que ele celebra minha tendência pessoal de ser uma contadora de histórias visuais. Penso no Brasil como um país que é tão expressivo de sua alma e acredito que este filme tem muita alma nele. Portanto, espero que o público brasileiro se conecte com isso e entenda que é uma celebração real da alma.

O que te inspirou a escrever e dirigir um filme que celebra e explora o poder e a vulnerabilidade das mulheres jovens?

“Knives and skin” também tem muitas jovens mulheres no elenco. Quando eu estava viajando com esse filme, alguns jornalistas, ou mesmo durante as sessões de perguntas e respostas, me perguntavam como foi minha experiência trabalhando com tantas jovens mulheres na frente da câmera. Eu sempre respondia que foi ótimo, é por isso que eu continuo fazendo isso. Mas então percebi que algumas pessoas faziam essa pergunta porque elas assumiam que era terrível ter que estar cercado por todas essas jovens mulheres. Isso me fez pensar que, pelo menos na cultura americana, somos obcecados pela juventude e beleza entre as jovens mulheres, mas também criamos essa espécie de máquina cultural que tem como objetivo interromper sua evolução. Nós somos obcecados pela juventude e beleza das jovens mulheres e, ao mesmo tempo, as odiamos. Dizemos coisas sobre jovens mulheres que têm agência sobre sua sexualidade, por exemplo, chamando-as de selvagens e fora de controle. Talvez haja um termo em português que seja semelhante ou não, mas eu queria fazer uma história sobre uma adolescente selvagem e fora de controle que realmente se torna selvagem e fora de controle, uma história de metamorfos, como a história clássica do lobisomem, por exemplo, mas eu sabia que não queria fazer um filme de lobisomem. Então, comecei com essa pequena semente e, a partir daí, construí o filme que temos agora, que é “Agressor”.

Como você escalou os atores principais para o seu filme? O que eles trouxeram para seus papéis?

Quando escalamos Kiah McKirnan para este papel, o que foi interessante em relação a sua resposta ao roteiro foi sua própria biografia e origem como uma garota de etnia mista. Ela disse que, devido à capacidade de transformação e metamorfose de Jonny, ela sentia que às vezes fazia a mesma coisa como mulher de raça mista. Como ela é uma mulher de pele clara e mista, às vezes em certos lugares, há um termo em inglês chamado “code switching”, onde às vezes você pode agir mais branco ou mais negro, dependendo do grupo em que está. Eu não disse isso de maneira muito eloquente, mas talvez faça sentido. Ela disse que se identificou muito com a habilidade de Jonny de ter essa fluidez em sua vida uma vez que possui seus poderes. Eu amei isso. Eu sempre quis trabalhar com Alicia Silverstone, pensei que ela havia sido essa adolescente icônica em “As Patricinhas de Beverly Hills” e achei que seria muito interessante ter essa mulher que conhecemos como uma adolescente real se tornar a matriarca dessa família metamórfica. Ela nunca havia sido escalada para um papel assim. Ainda é escalada como essa bela garota loira do sul da Califórnia e ela realmente respondeu ao material. Alguns dos outros atores eu já havia trabalhado em alguns dos meus filmes anteriores e sou um ser de hábitos. Quando confio em um ator e eles confiam em mim, gosto de continuar trabalhando com eles repetidamente.

Quais foram alguns dos desafios que você enfrentou?

Como não é uma história de lobisomem, por exemplo, sua metamorfose é um pouco sutil, sabe? Ela meio que adquire a empatia como um superpoder, o que é talvez um pouco filosófico. É mais conceitual do que apenas uma coisa física, e parecia arriscado tentar fazer uma história de metamorfos que não fosse sobre um lobisomem, não fosse sobre um vampiro, não fosse uma garota que se transforma em qualquer tipo de animal, mas sim uma garota que simplesmente se torna muito emocional. E houve desafios em fazer um filme que não fosse prejudicial ou um gatilho para as pessoas, porque a cena inicial com esse cara torturando esta garota… Não apoio a violência contra as mulheres de forma alguma, e ainda assim sei que este filme tem muito a ver com a violência contra as mulheres. Então para mim havia um desafio em criar imagens provocativas, mas não prejudiciais ou gatilhos.

Como você vê seu filme em relação aos seus trabalhos anteriores, como “Knives and skin”? Como esse filme mudou você?

Sinto que fiz muitas decisões antes de “Agressor” e que levaram a ele. “Knives and skin” foi um filme muito próximo do gênero, mas não era um filme de terror, não era um thriller, não era um musical, era muito sonhador e flutuante. Sinto muito orgulho daquele filme, mas, depois dele, sabia que queria fazer algo mais sangrento, mais feio e mais assustador. Desafiei-me a fazer isso, mas ainda dentro da minha essência. Não é um filme que está longe de mim, ainda está muito próximo de mim. Teve sua estreia mundial no Festival de Cinema de Berlim, que eu amo muito e que seleciona filmes com muito cuidado. Este é o quarto filme meu que estreou em Berlim, mas nunca dou como certo que serei convidada para o festival. Não tinha certeza se Berlim aceitaria este filme, porque eles não costumam abraçar filmes de gênero. “Titane” [de Julia Ducournau] foi exibido em Cannes, por exemplo, assim como “Até os ossos” [de Luca Guadagnino], em Veneza este ano, mas Berlim não tem sido tão receptivo a filmes de gênero. Eles o convidaram e fiquei muito grata. Pensei: “trabalhei muito duro neste filme, desafiei-me e assumi grandes riscos, acho que fiz algo certo”. Não é um filme perfeito, o que está tudo bem. Acho que é impossível para mim fazer algo tão perfeito, tem que ser um pouco irregular. Vindo do mundo da arte e não da escola de cinema, meu trabalho sempre será meu e as pessoas vão gostar ou não.

O que você espera que o público tire do seu filme? Que tipo de conversas você quer provocar com seu filme?

Eu adoraria que o público pensasse sobre como falamos com e falamos sobre jovens mulheres que estão simplesmente tentando viver suas vidas, sejam elas muito sexuais ou não sexuais, criminosas ou não. Realmente quero que o público entenda que quando menosprezamos jovens mulheres, estamos menosprezando toda uma linhagem de mães e avós que vieram antes delas, todas essas mulheres fortes e incríveis que realmente administram todas as nossas famílias. Cresci em um matriarcado, tenho uma mãe incrível, avós incríveis. Quando menosprezamos jovens mulheres e as envergonhamos por seus comportamentos pessoais, estamos menosprezando essa linhagem de mulheres que nos criaram e precisamos repensar isso e deixar as meninas serem quem elas são, quem elas querem e precisam ser, porque permitimos que os meninos sejam quem eles querem ser. Não há um padrão para um adolescente que é criminoso ou que está dormindo com quem ele quer dormir. Parabenizamos ele, ele é um garanhão, e menosprezamos jovens mulheres. Apenas acho que devemos valorizar mais as mulheres e também reconheço que é um momento em que as jovens mulheres podem reconhecer que a amizade feminina é uma estratégia muito forte para sobrevivência.

Uninter é uma das patrocinadoras do festival, e a Central de Notícias Uninter (CNU) fez a cobertura de todos os dias do evento. Confira todas as matérias neste link.

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Autor: Thales Godinho - Especial para a CNU
Edição: Arthur Salles - Assistente de Comunicação Acadêmica
Créditos do Fotógrafo: Divulgação e reprodução


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