“O autismo não te limita, ele abre portas”
Autor: Daniela Mascarenhos - estagiária de jornalismoO transtorno do espectro autista (TEA) é um distúrbio do neurodesenvolvimento caracterizado pelo desenvolvimento atípico do indivíduo, manifestações comportamentais, déficit de comunicação e interações sociais, padrões de comportamento e até mesmo podendo apresentar um repertório restrito de interesses e atividades.
Apesar de as palavras “limitações” e “incapazes” não aparecer em lugar algum, é comum – embora errôneo, que as pessoas atribuam essas características às pessoas que são diagnosticadas com autismo. No entanto, diariamente homens e mulheres com TEA nos provam o contrário.
Esse é o caso de José Alberto Gurnhak de Carvalho, aluno do curso de Música da Uninter. Diagnosticado com autismo aos 15 anos, José conta que o TEA nunca foi visto como um obstáculo por ele, “meu amor pela música sempre foi maior, não tinha outra opção, queria viver a música”, diz.
“Minha paixão vem desde criança. Sempre tive instrumentos de brinquedo, como guitarra, violão, bateria, mas foi aos 10 anos que tudo começou, quando pedi para começar a ter aulas de teclado”, relembra.
Do teclado, ele foi para o piano, mas não parou por aí. “O teclado foi só o começo, mas também foi o único que fiz aula. Comecei a aprender sozinho a tocar guitarra, violão, baixo e hoje estou tentando o violino”, conta.
O aluno, que está no curso há dois meses, diz que, “tem sido uma experiência incrível, cheia de novidades e que me motiva a aprender cada vez mais”.
Nasceu para a música
Um diferencial do José é a forma como ele aprende as músicas. Desde o clássico até o rock e heavy metal – seus estilos favoritos – o aluno não utiliza partituras para aprender a tocar a música escolhida.
“Eu coloco os vídeos com as notas detalhadas e uso como referência. Só preciso de alguns minutos para aprender e tocar completamente sozinho”, conta. José complementa que parte dessa facilidade se dá pelo fato de ele ter o chamado ouvido absoluto.
A professora e coordenadora do curso de pós-graduação em Música e Cognição da Uninter, Valentina Daldegon, explica que, “quando a pessoa tem ouvido absoluto, ela consegue identificar a altura (que nota é) de qualquer som que ela ouve. Diferente de nós que geralmente desenvolvemos o “ouvido relativo”, que é quando a gente precisa de uma referência de alguma nota para identificar outra”,
“O interessante de quem tem ouvido absoluto é que o som não precisa ser realmente “musical”. A pessoa ouve uma buzina, um estampido, alguém batendo numa lata, etc… e sabe dizer que “nota” (qual a altura do som)”, complementa.
Da sala de casa para o mundo
José começou a compartilhar seu talento em vídeos falando abertamente sobre o autismo em seu canal no Youtube: José, o Pianista. “Eu costumo enfatizar nos meus vídeos que o autismo não te limita, mas abre portas. Sempre me fortaleceu e hoje a música serve como minha terapia”, conta o aluno.
Seu canal hoje conta com 1,61 mil inscritos e 842 vídeos publicados. Seu conteúdo repercutiu tanto que o Sesi de São Paulo chegou até ele e ofereceu uma bolsa auxílio para que ele pudesse continuar se aperfeiçoando.
Recentemente, José teve mais uma amostra de seu crescimento. A partir de um convite feito pelos próprios organizadores do evento, ele esteve presente na Noite de Gala do Autismo.
Realizado no dia 1° de abril (sábado), o evento teve como objetivo celebrar, com grandes personalidades da causa autista, o Dia Mundial de Conscientização do Autismo. A cerimônia foi realizada pela Associação Nacional das Pessoas com Deficiência, Doenças Raras e Doenças Congênitas (ANPcD).
Além de comparecer com seus pais, José também se apresentou. Para assistir à sua participação, clique aqui.
Os pais, Ketry Gurnhak e Carlos Alberto, afirmam que se sentem abençoados pelo filho trabalhar com música. “Me deixa orgulhosa e feliz, sabe? A casa está sempre cheia de música. E me deixa ainda mais feliz ver como isso acalma ele. Isso flui dele, é natural, seja em casa, ou em outro lugar, sempre deixa as pessoas encantadas”, comenta a mãe.
Para Carlos, “não existe palavra melhor do que benção. As coisas estão acontecendo muito naturalmente e ele merece. Começou com o Sesi e as aos poucos outras pessoas vão conhecendo o trabalho dele”. Ele comenta que, “o convite para o evento foi até uma coisa um pouco assustadora e inusitada. Eu nem tinha noção de que conheciam o trabalho dele, ou sabia como era o evento, nós só fomos conhecer a dimensão de tudo quando chegamos lá”.
Ketry finalizou dizendo que, “o que a gente mais pensa, como qualquer mãe de autista é: como vai ser o futuro do meu filho? A sociedade, hoje, tenta inserir, mas o mercado de trabalho ainda é complicado e escasso. Então a gente torce muito para que ele seja cada vez mais reconhecido e chegue cada vez mais longe. Porque nada traz mais paz e felicidade para uma mãe do que ver seu filho feliz e com estabilidade”.
Espelho para a vida
Quando questionado se possui alguém em quem se inspira diariamente, José não pensa duas vezes antes de responder: “Lionel Messi, o jogador”.
O futebolista argentino – que atua como atacante, joga atualmente pelo clube francês Paris Saint-Germain e pela Seleção Argentina, encanta inúmeros fãs de futebol ao redor do mundo por sua perseverança e talento no esporte.
O mais comum seria esperar que fosse alguém musicista, cantor ou até um grupo, alguém que o conectasse com a música. Mas, segundo o aluno, “Messi me inspira pela história dele. Todo o caminho que ele percorreu até chegar ao topo do futebol e se tornar o melhor do mundo”, diz.
“Vejo nele um modelo a seguir, um espelho para como quero seguir minha vida”, conclui.
Autor: Daniela Mascarenhos - estagiária de jornalismoEdição: Larissa Drabeski
Créditos do Fotógrafo: Arquivo pessoal – Carlos Alberto