Lula e Biden pretendem reativar relações estáveis e construtivas

Autor: Rafael Pons Reis

O encontro na Casa Branca, em fevereiro, entre Lula e Biden sinaliza o retorno da aproximação política entre os governos do Brasil e dos EUA, após o esfriamento causado por diferenças político-ideológicas durante o governo do antecessor, Jair Bolsonaro. O encontro serviu como uma oportunidade de cooperação entre ambos os países para tratar dos desafios que os países enfrentam como o respeito às instituições democráticas, o combate à desinformação e a prevenção contra novos ataques como os ocorridos no Capitólio, nos EUA, e nas sedes dos Três Poderes, no Brasil.

O encontro entre os presidentes apresentou um componente simbólico, a de que líderes de direita foram derrotados nas urnas, tema este presente não apenas nos discursos dos dois líderes, mas também no documento final do evento. Interessam a Biden e a Lula demonstrar apoio mútuo e discutir publicamente, sob o olhar atento da mídia, formas de enfrentar o avanço de governos autocráticos e autoritários, bem como fazer da defesa da democracia um pilar de seus governos. Trata-se de uma ironia bem-vinda da história, em função do apoio norte-americano ao golpe militar em 1964, em que se propagava o medo de um possível alinhamento do Brasil com os países socialistas no contexto da Guerra Fria.

Para Lula, a viagem aos EUA trará implicações para as relações comerciais entre os países e os fluxos econômicos no longo prazo. As trocas comerciais entre ambos os países no ano de 2022 atingiram recorde histórico de US$ 89 bilhões, superando em US$ 18,2 bilhões o recorde anterior estabelecido em 2021. Atrás apenas da China como maior parceiro comercial do Brasil, os EUA continuam sendo o principal destino das exportações brasileiras de manufaturados e semimanufaturados. Para 2023, analistas preveem certa estabilidade nos fluxos bilaterais entre os países, com oportunidades para ambos na economia verde e cadeias de suprimentos.

A visita assumiu também um importante caráter político para o Brasil: a de recuperar a credibilidade e o espaço político do país no plano internacional. No primeiro, o tema prioritário é a questão ambiental, momento em que Lula mostrou disposição para discutir temas como a proteção da Amazônia, questões climáticas e modelos de transição energética (a presença da Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, na delegação diplomática brasileira sinaliza a importância dada ao tema). Trata-se de uma boa oportunidade para o país reverter o quadro de duras críticas aos ilícitos na Amazônia (queimada, garimpo ilegal e destruição da floresta) e da condição dos povos originários, sobretudo da situação catastrófica dos yanomamis, e ainda para destravar acordos importantes para captar recursos para o Fundo da Amazônia.

A aproximação de Lula com Biden pode contribuir para o Brasil dar impulso na retomada de um maior diálogo dos principais temas e agendas internacionais, bem como na construção de consensos, que sempre marcaram a inserção internacional do país, na chamada diplomacia “altiva e ativa” com Celso Amorim à frente do Itamaraty. É essa a diplomacia que analistas de política externa esperam que o Brasil promova no terceiro mandato de Lula. O aceno dos EUA à reforma do Conselho de Segurança da ONU parece sinalizar um fato positivo para o Brasil em seu pleito por maior participação internacional. Por outro lado, a falta de manifestação clara de apoio de Biden à proposta brasileira de criação de um “clube da paz”, destinado a criar um grupo de países não envolvidos no conflito para mediar um cessar fogo na Guerra da Ucrânia, não gerou atritos durante a visita, mas mostrou que Lula quer um protagonismo multilateral maior do que Biden parece destinar a ele.

A visita de Lula cumpriu um importante papel na implementação de sua política doméstica. Em tese, não foi uma viagem de negócios dotada de uma extensa agenda de trabalho, de reuniões com investidores e representantes de setores comerciais, mas sim uma visita política, com o objetivo de mostrar as convergências entre os dois países. Ainda que divergências tenham sido explicitadas, elas não foram ressaltadas. Ao buscar apoio externo, o resultado da viagem pode se trazer implicações práticas para sua legitimidade política. Isso significa dizer que, se por um lado, a maior aproximação com os EUA pode ajudar no avanço de temas e questões difíceis ao governo petista, por outro, a Casa Branca poderá ser um elemento importante para que Lula consiga construir novamente um legado político por meio da diplomacia.

*Rafael Pons Reis é doutor em Sociologia Política, professor dos Cursos de Relações Internacionais e Gestão Pública da Uninter.

Incorporar HTML não disponível.
Autor: Rafael Pons Reis
Créditos do Fotógrafo: Ricardo Stuckert/PR


Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *