Um século da Semana de Arte Moderna e sua influência na literatura negra
Autor: Barbara Carvalho - JornalistaA Semana de Arte Moderna completou cem anos em 2022. O evento aconteceu em fevereiro de 1922, na cidade de São Paulo, e tratou de levar para as artes o debate de questões sociais e históricas do Brasil. A abolição da escravidão, por exemplo, ganhou destaque nas obras de diversos artistas na época. No entanto, é possível afirmar que a Semana de Arte Moderna teve influência na escrita de autores negros brasileiros?
Apesar da cultura afro ter sido pauta durante os três momentos modernistas brasileiros, de 1922 a 1945, pouco se tem conhecimento sobre autores negros. A literatura da época se limita a autores brancos citando o negro de forma superficial, construindo assim uma persona com trejeitos que não correspondem ao real e à vivência da pessoa negra. Isso traz a reflexão do lugar de fala da literatura negra, se ela tem que ser escrita por um negro ou se é suficiente apenas que se fale sobre ele.
“Quando a gente fala em literatura de autoria negra, há uma preocupação muito grande em salientar a coletividade e a subjetividade, e um autor branco não consegue fazer a representação da subjetividade negra dentro da sua literatura. Por mais que ele vá in loco, faça pesquisa, estudo de caso, esteja ali acompanhando, como foi o caso de alguns autores como Jorge Amado, que vai acompanhar a questão da cultura periférica, mesmo assim não é uma literatura que trabalha essa subjetividade, você percebe a diferença”, aponta Gisley Monteiro, mestra em Educação Social.
Observa-se que antes da Semana de Arte Moderna o personagem negro era retratado na literatura de formas distintas, como bom e servil, ou o oposto, o negro raivoso e vingativo. Esse evento tornou possível a inserção de uma nova construção da literatura negra, ainda que não desse espaço por completo à autoria negra e toda a sua potência.
Um dos nomes precursores do negrismo na poesia brasileira foi Lino Guedes (foto), jornalista e poeta que nasceu em 1897. O autor participou de maneira ativa durante o período do modernismo brasileiro, publicando seu primeiro livro (Black) em 1926. Sua poesia se aproxima da linguagem modernista pelo uso de formas populares, como o uso da redondilha maior (nome dado, a partir do século XVI, aos versos de cinco ou sete sílabas), e sua importância vai além dos versos bem escritos, propondo a emancipação do negro por meio da literatura.
“A gente percebe que ele busca construir a imagem positiva desses homens invisíveis, que são os negros na sociedade do café, pós-escravocrata, mas ainda do trabalho assalariado em condições precárias, e percebemos que, quando ele fala do ‘aburguesamento’, é uma sugestão de como construir uma imagem positiva dessa identidade marginalizada mediante integração na sociedade classe do mercado de trabalho”, esclarece o doutor em Teoria da Literatura e Literatura Comparada Cleber Cabral.
Lino Guedes também mostra em seus poemas a escrevivência como desdobramento do negrismo, em termos de escrita e projeto literário. Há uma escrita a partir da experiência negra que possibilita ressaltar essa vivência, em versos como os do poema Novo Rumo, de 1936:
Negro preto cor da noite,
Nunca te esqueças do açoite
Que cruciou tua raça.
Em nome dela somente Faze com que nossa gente
Um dia gente se faça!
Negro preto, negro preto,
Sê tu um homem direito
Como um cordel posto a prumo!
É só do teu proceder
Que, por certo, há de nascer
A estrela do novo rumo!
Outra autora que pode ser apreciada a fim de entender a cultura negra é Conceição Evaristo, escritora brasileira e uma das mais influentes literatas do movimento pós-modernista no Brasil. O ato de dar visibilidade a autores como Guedes e Conceição Evaristo sobre a cultura afro-brasileira é recente. O ensino da cultura afro-brasileira teve início no Brasil somente no ano de 2003.
O tema foi discutido na live XX Clube de Leitura: E Agora, José? – Literatura e Autores Negros, realizada pela área de Linguagens e Sociedade da Escola Superior de Educação da Uninter. Também participaram da conversa os professores Maristela Gripp, Gladisson Costa e Deisily de Quadros. O bate-papo pode ser visto na integra neste link.
Autor: Barbara Carvalho - JornalistaEdição: Arthur Salles - Assistente de Comunicação Acadêmica
Créditos do Fotógrafo: Reprodução YouTube