IBGPEX reúne Terceiro Setor para debater os desafios e projetos pós-pandemia
Autor: Nayara Rosolen - JornalistaApós dois anos de pandemia, a Rede do Terceiro Setor de Curitiba (PR) e região metropolitana realizou a primeira reunião presencial, no dia 7 de abril de 2021. Com cerca de 50 pessoas presentes, o Instituto IBGPEX foi anfitrião do evento, que aconteceu no auditório da Uninter, no campus Garcez, no centro da capital paranaense.
De acordo com a gerente de projetos sociais do IBGPEX, Rosemary Suzuki, o objetivo da rede é fortalecer o terceiro setor por meio de parcerias, projetos colaborativos, formação continuada e troca de experiências.
“Nos últimos anos tem sido um canal importante para que órgãos como Ministério Público, OAB, Conselho Regional de Contabilidade tenham acesso às organizações da sociedade civil (OSCs). Diversos encontros formativos e discussões importantes foram realizados com esses e outros entes”, diz Rosemary.
Por princípio, a rede se caracteriza pela horizontalidade. Não existe uma hierarquia, mas sim os facilitadores que promovem e desenvolvem estratégias. Atualmente, conta com a colaboração de quatro facilitadores: Tania Mara Cardozo, do Movimento Voluntariado de Curitiba; Patrícia Ramalho, do Amigos do HC; Gustavo Brandão, do Recanto Esperança; e Ana Lucia Santana, do Instituto de Cidadania Empresarial.
Brandão lembra que a rede, que existe há 10 anos, iniciou a partir do Conselho Paranaense de Cidadania Empresarial (CPCE), como uma rede exclusiva aos objetivos e causas do terceiro setor. Atualmente, é composta por mais de 300 organizações.
O facilitador salienta que as atividades não foram paralisadas devido ao período pandêmico. Pelo contrário, cresceu em meio a muitos desafios. “A força da rede está exatamente na sua capacidade de se multiplicar, se reorganizar e reestruturar conforme o ambiente, o contexto, a conjuntura”, afirma.
“Uma das características da rede é essa solidariedade dos seus parceiros, que permitem que a gente se reúna em seus espaços. Tivemos histórias fantásticas ao longo dessa caminhada com diversos parceiros. Temos também por princípio, a promoção das ações relacionadas ao terceiro setor, em todos os seus seguimentos. A nossa rede se multiplica através das redes pessoais e profissionais de cada um dos seus participantes”, explica.
Atuação do IBGPEX
O propósito do Instituto IBGPEX é, por meio da responsabilidade social, despertar e desenvolver pessoas capazes de transformar o futuro de outras pessoas. Da equipe do Instituto, junto com Rosemary também estiveram presentes no evento a pedagoga Débora Klassen e o pedagogo Leandro Prado, a assistente social Fernanda Milane e a assistente administrativa Erika Onuki.
“Quando a gente fala em educação, está formando pessoas. Cora Coralina falou muito bem que ‘bondade também se aprende’. A gente tem essa pretensão de levar para os nossos alunos, colaboradores, para todos os nossos stakeholders, um pouco sobre educação para solidariedade e transformá-los aqui, internamente, com projetos ligados ao voluntariado corporativo e outros que vão conhecendo aos poucos”, explica a gerente de projetos sociais.
O IBGPEX atua em três dimensões: Institucional, na qual fomenta a cultura da responsabilidade social, em projetos com os colaboradores; Responsabilidade Social Universitária (RSU); e Comunidade.
A Uninter conta com um quadro de 1,6 mil colaboradores. No primeiro chamado para experimentar o voluntariado, no último ano, cerca de 160 pessoas se candidataram em três dias. “A gente só vai conseguir levar a responsabilidade social para a comunidade se isso transbordar aqui de dentro” salienta Rosemary.
Agora, a equipe do Instituto pretende criar uma rede de voluntariado em Curitiba e região, um projeto piloto com pretensão de levar para o Brasil inteiro. A ideia é criar um banco de vagas de voluntariado, a princípio para que os colaboradores da Uninter possam ocupar.
Para 2022, o IBGPEX tem o planejamento para três projetos voluntários: Campanha do material escolar, Semana do voluntariado e Campanha de Natal. Além disso, a equipe vai apoiar e instrumentalizar grupos de iniciativas de colaboradores que queiram realizar campanhas dentro dos setores onde trabalham.
Desafios do terceiro setor
Durante a reunião, que durou cerca de duas horas e meia, representantes das organizações tiveram a oportunidade de apresentar cases com experiências durante a pandemia. Muitos desafios que já existiam foram intensificados. No entanto, novas oportunidades também surgiram. Pricila Ribas, do Instituto GRPCom, apresentou o resultado de uma pesquisa realizada com 121 OSCs do Paraná.
Por meio do estudo foi constatado que 6% das organizações pesquisadas fecharam; 56% dizem que o principal desafio é a captação de recursos; 36% ainda têm o poder público como principal fonte de renda; 61% afirmam que o volume de doações financeiras reduziu; e 82% dizem que a perda de voluntários impactou muito, especialmente na captação de recursos e execução de projetos.
Pricila diz que é possível perceber uma necessidade de profissionalização das instituições, principalmente nas áreas de gestão. Assim como na comunicação das organizações, que precisam comunicar o que são e o que fazem, e estar digitalmente presentes. Isso ajuda até mesmo para a diversificação da captação de recursos.
“Não adianta só se comunicar, tem que se preparar antes, preparar as redes sociais, a comunicação da instituição, para depois abordar uma empresa e mostrar o que vocês fazem com clareza, que têm uma gestão bem estruturada. Para mostrar vão saber o que fazer com esse recurso que vai entrar”, pontua Pricila.
A obrigatoriedade da presença digital acelerou o processo de muitas instituições que não utilizavam das ferramentas e sequer tinham habilidades com as plataformas. “É necessário alimentar e manter tudo isso. Além da importância de trabalhar em rede, o apoio de um para com o outro”, conclui.
Solidariedade e cooperação
Cenir Teixeira, presidente da ONG Escolhidos por Deus para Servir (EPDPS), apresenta como a colaboração entre organizações foi fundamental nos últimos anos. Quando iniciou em 2015, o sonho era tirar as crianças das ruas, mas ainda não sabia como atuar. Cenir chegou até a rede através do programa Impulso, promovido pelo Instituto GRPCom.
No período pandêmico, Cenir se deparou com famílias inteiras passando fome, somado aos problemas emocionais que o medo e a perda de amigos e familiares causou. Com a ajuda de colegas da rede e profissionais da saúde, conseguiu realizar o trabalho.
“Quando você vê o sorriso, as pessoas conseguindo se levantar, tirar as coisas do ente querido que se foi, que é um processo muito dolorido, é uma das grandes vitórias”, afirma a presidente.
Diversificação de captação de renda
A dificuldade financeira também se tornou uma questão mesmo para instituições maiores e já bem estruturadas. É o que mostra Mauren Neufeld, que é membro da diretoria e também atua de forma operacional no departamento administrativo da Irmandade Betânia, uma instituição na área da educação.
A organização, que já existe desde 1980, já contava com a diversificação de receita, e uma das estratégias é a geração própria, através da hotelaria que possuem. Porém o hotel e a pousada que possuem também tiveram as atividades interrompidas neste período.
Por meio da instituição, são concedidas bolsas de estudos. Dos cerca de 900 alunos, metade são bolsistas. No entanto, dentro do cenário pandêmico, muitos pagantes não puderam mais honrar com o pagamento das mensalidades.
A saída foi começar a atuar de forma mais estratégica, com captação de recursos que quase não utilizavam, como as verbas públicas, doações de pessoas físicas e jurídicas, parcerias no exterior e com as organizações da rede.
“Para a comunidade Betânia hoje estar de pé, foi porque a gente já tinha feito lá atrás. Desde 2015 a gente foi acordando para várias situações. A gente não tinha uma fonte de receita só, já estava diversificando. A profissionalização foi fundamental”, salienta Mauren.
O trabalho do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente
Renan Costa Ferreira, coordenador do Lar Hermínia Schleder e presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Comtiba) na gestão de 2020/2021, afirma que a organização trabalhou muito nos últimos anos. Ele diz que precisaram se reestruturar e reordenar para ajudar a fortalecer as instituições, fazendo o recurso sair das contas do conselho para as organizações.
“A gente entende que o recurso é para ser aplicado e não ficar parado. Então, foi um ano de bastante trabalho nesse sentido. Reordenamentos internos para ajudar no fluxo e andamento das coisas. Muitas pessoas acham que o Comtiba não funciona, porque acreditam que ele executa. Mas, na verdade, o Comtiba delibera, quem executa é a Fundação de Ação Social (FAS)”, explica.
Para Renan, um ponto necessário, que é uma força da rede, é a articulação. É preciso articular, ter conhecimento sobre as informações, saber sobre as leis que fazem com que as coisas aconteçam. “A gente chega lá, bate na porta e vai fazendo esse monitoramento e apoio aos nossos conselheiros”, conclui.
Um olhar atento para a proteção animal
Com o início da pandemia, muitas pessoas recorreram à companhia de animais para o período de isolamento. Mas agora, com as flexibilizações e o retorno das rotinas, há um índice de 30 a 40% de devoluções. “Animais que foram adotados para suprir uma necessidade e hoje estão voltando. O animal sente que foi abandonado pela família”, comenta Paulo Colnaghi, que trabalha com as Relações Institucionais na Associação do Amigo Animal.
Uma outra questão apontada por Colnaghi é que muitas pessoas pensam que as organizações de proteção animal como se a função fosse apenas para com os pets. Entretanto, existem problemas de acumulação, pessoas com questões psíquicas, acumuladores de bichos, muitas vezes também de lixo, que deixam os animais em situações precárias.
O representante conta casos em que resgataram quase 100 animais em uma única casa. Mesmo assim, as buscas de apoio público acontecem sem sucesso, com necessidade de apoio psiquiátrico também. “Costumamos dizer que não cuidamos só de bicho, cuidamos de pessoas também” garante.
Hoje, a associação tem 1,2 mil animais sob proteção, uma parcela no próprio abrigo e outra parte de casos de acumulação e protetores independentes que a organização ajuda. São nove toneladas de ração por mês, que sofreu uma redução de arrecadação de 20 a 30%.
“Passou a ser uma luta diária para alimentar os animais, que foi o foco principal, e ajuda às pessoas, inclusive com cestas básicas”, conclui Colnaghi.
A realidade vivida pelos profissionais de saúde
Rodrigo Bonfim é coordenador de relações institucionais do Hospital Pequeno Príncipe. Ele afirma que a instituição filantrópica, mantida pela OSC, realiza o trabalho com crianças há mais de 100 anos. Mais de 60% dos atendimentos são realizados pelo sistema única de saúde (SUS), de média e alta complexidade.
Em 2019, foram realizadas 20 mil internações, 20 mil cirurgias e 300 mil atendimentos ambulatoriais, com 32 especialidades. Em 2020, estes números caíram consideravelmente. Com a redução dos atendimentos eletivos, foram 12 mil internações, 12 mil cirurgias e 150 mil atendimentos ambulatoriais. Considerando apenas o emergencial.
No entanto não existe trabalho remoto para os profissionais da saúde, que também estão expostos a doenças. A atuação acontece 24 horas por dia, em três turnos, sete dias por semana, lidando diretamente com o vírus.
Bonfim lembra que muitos destes profissionais não atuam em uma única instituição e, quando precisam ser afastados, o trabalho de todos os hospitais fica comprometido. Com a substituição que precisa ser feita, os custos também aumentam.
No primeiro bimestre de 2022, foram contabilizados 75% dos casos de todo o ano de 2021. Mais uma preocupação, principalmente com o aumento significativo de crianças contaminadas. Um cenário que logo foi modificado com a possibilidade de vacinação infantil.
Também durante os últimos dois anos, toda a estrutura de atendimento, voluntariado, serviço social, recepção das famílias, projetos culturais, foram interrompidos. Mas Bonfim garante que serviram como aprendizado, e muitas comemorações foram realizadas na forma de drive thru. Além disso, o coordenador diz que foi possível observar um avanço na detecção de sintomas, diagnósticos e medicação, por exemplo.
Dentro da rede, ele destaca a dinamicidade do grupo de organizações. Com a rapidez nas conquistas de doações, voluntariado e parcerias. Bonfim ainda ressalta a importância do protagonismo jovem para o debate.
“Capital social é resultado de confiança e confiança é resultado de contato, interação, experiência. Como a gente se fortalece? Interagindo mais, criando ideias comuns, fazendo atividades em comum. Isso vai dar confiança nos outros, nos dá a capacidade de execução que não é do coletivo todo, porque é potencializado em escala geométrica”, conclui.
Cenário atual de Curitiba e região
Olhando a realidade vivida nos últimos anos, com muitos desafios e aprendizados, o facilitador Gustavo Brandão acredita que o terceiro setor se mostrou extremamente essencial na capilaridade.
“Ou seja, a capacidade que o terceiro setor tem, que é muito maior que a do governo, de atingir famílias, onde normalmente a própria área governamental não alcança. E através de doações, campanhas, projetos, o terceiro setor mostrou também toda a sua força que deve ser ainda multiplicada. Nós vemos essas duas grandes questões. O desafio e, ao mesmo tempo, a força”, aponta.
Gustavo acredita no fortalecimento do terceiro setor por meio do trabalho em rede, onde buscam empoderar cada associação de acordo com a própria causa. Para ele, o terceiro setor deve fortalecer suas ações, com todas as questões, dentro do meio ambiente, social e governança.
“Felizmente em Curitiba a gente tem desde pequenas associações de moradores, associações, fundações, instituições, que fazem parte da rede, têm uma grande força. Na medida que a gente fortalece o contato, a troca de ideias e de experiências com essas associações e fundações, a gente vai conseguir atingir um grande público e fortalecer ainda mais nossas ações e a nossa presença”, finaliza.
Autor: Nayara Rosolen - JornalistaEdição: Mauri König
Créditos do Fotógrafo: Nayara Rosolen e IBGPEX