Novas responsabilidades jurídicas devem surgir com o metaverso
Autor: Jennifer Manfrin*“Importante que se pense desde já nas implicações jurídicas quando se constrói um mundo virtual”
São 19h50 e você acaba de desligar o notebook após um cansativo dia de trabalho. Às 20h, tem um encontro marcado com alguns amigos em um bar famoso por servir os melhores camarões. Então, você vai até a sala de casa, senta-se no sofá, coloca os seus óculos de realidade virtual e pronto: “você chegou ao seu destino”.
Não importa para onde olhe, você está no bar e não mais na sala de sua casa. A noção do mundo físico foi completamente modificada. Então você pensa: “estou morrendo de fome”. Chama o garçom e pede uma porção de camarões e um chope.
Cerca de 30 minutos depois, a campainha da sua casa toca. Você tira os óculos e vai atender. Pega seus camarões e seu chope, volta ao sofá, coloca os óculos e pode degustar, enquanto continua o papo animado com seus amigos.
Parece até coisa de filme, mas essa é a proposta do metaverso, apontado como o futuro do Facebook, ou seja, pretende levar as redes sociais para um nível nunca visto antes, possibilitando profunda imersão em uma “cidade” chamada Horizon, onde é possível se encontrar com os amigos, fazer reuniões e até mesmo assistir aulas. As possibilidades são inúmeras e, possivelmente, essa seja a tecnologia mais próxima de algo como “uma máquina de teletransporte”.
A ideia é realmente fantástica, porém é essencial que se pense desde já nas implicações jurídicas quando se constrói um mundo virtual com essas características. Interessante notar que, embora a maioria das pessoas ainda não saiba ao certo o que é o metaverso, inúmeras pessoas jurídicas já estão “abrindo” sedes lá, como o escritório de advocacia Grungo Colarulo, que fica em Nova Jersey (EUA).
Não há dúvidas, ademais, que os tribunais também terão uma posição significativa neste novo mundo. Assim, será possível consultar um advogado da sala da sua casa, mas com a real sensação de que está no escritório dele, bem como ir àquela audiência sem gastar um centavo ou enfrentar trânsito.
Porém, embora essa seja uma tecnologia magnífica e sem precedentes, é impossível deixar de considerar os grandes problemas que deverão surgir. Quem já esteve dentro da realidade virtual sabe que é um lugar incrível, bonito e com muita paz. O simples fato de estar ali já traz uma sensação bastante agradável. Mas essa fuga da realidade pode resultar em graves problemas psicológicos, pois o mundo real não é tão lindo, tranquilo e moldável quanto o mundo virtual, e muita gente pode querer ficar por lá, ou ainda, sentir-se deprimido quando tiver que voltar para a realidade.
Nesses casos, as empresas de tecnologia precisarão ter algumas responsabilidades jurídicas. Sabemos que as redes sociais que são amplamente utilizadas atualmente já resultam em problemas psicológicos, especialmente para adolescentes.
Em 2021, Frances Haugen, ex-funcionária do Facebook, denunciou a empresa ao Senado dos Estados Unidos. Segundo ela, o Facebook priorizou mais o seu crescimento em prejuízo da segurança de seus usuários. Em uma pesquisa interna, ficou constatado que o Instagram estava impactando a saúde mental de adolescentes, sugerindo assim que a rede social era um local tóxico para muitos deles.
A ideia da denúncia feita por Frances era impulsionar o Poder Legislativo Americano para a criação de uma legislação firme, com o objetivo de proteger as pessoas de eventuais danos causados pelas redes sociais.
O grande problema disso tudo é que essa legislação ainda não existe nem nos Estados Unidos, nem em nenhum lugar do mundo. Até mesmo nos locais onde há leis sobre o tema, elas não são suficientes para impedir os danos psicológicos.
E se existem problemas que não foram resolvidos até hoje, passados mais de 18 anos desde que a primeira rede social com amplo alcance mundial entrou em operação, o que podemos esperar do metaverso, que é uma experiência completamente nova e imersiva, onde você efetivamente perde a noção da realidade?
Não acredito que a legislação brasileira vá caminhar tão rápido a ponto de conseguir alcançar o lançamento global dessa nova rede. O que temos à nossa disposição atualmente são o Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor, o Marco Civil da Internet e a LGPD, que poderão fundamentar eventuais condenações das empresas ao pagamento de indenizações quando ficar comprovada a relação entre a atividade e os danos às pessoas. Mas essa relação pode ser mais difícil de comprovar do que muitos imaginam.
Certo é que essa nova tecnologia vai exigir muito mais atenção e cuidado dos usuários, pais e responsáveis, pois existe a real possibilidade de que, daqui há mais 18 anos, ainda estejamos discutindo uma legislação adequada, que impeça as empresas de priorizarem os lucros em detrimento da saúde mental de seus usuários.
* Jennifer Manfrin é advogada, especialista em Direito Aplicado, professora e tutora nos cursos de pós-graduação em Direito da Uninter.
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