Quando a pesca artesanal fisga uma pós-graduação
Autor: Sandy Lylia da Silva - Estagiária de JornalismoNo sudeste do Pará, Jacundá habita entre castanheiras, ipês, cumarus vermelhos, maçarandubas. Entre rios corrediços de águas frescas, deslizam os peixes-sabão. Distante 440 quilômetros da capital Belém, o município foi inundado em grande parte para a construção da barragem do Tucuruí durante a ditadura militar, entre os anos de 1976 e 1984. Deixou cachoeiras, garimpos de diamantes e povoados submersos, dando vazão compulsória à criação de novos territórios.
Um desses novos vilarejos jacundaenses é a Vila Porto Novo, comunidade rural formada em sua maioria por pescadores artesanais, que vivem às margens do rio Tocantins. Local também onde cresceu Vanilson Santos de Souza, 35, hoje estudante de pós-graduação Uninter.
Nascido nas terras paraenses de Moju, Vanilson mudou-se com cerca de três anos de idade com sua família para Vila Porto Novo, pertencente à Goianésia do Pará. Sua infância foi ao redor dos sete irmãos, com subsistência garantida pelos pais por meio do pescado. O vilarejo garantiu acesso até a quarta série do antigo ensino fundamental, e para seguir nos estudos, era necessário migrar para a cidade. Foi o que ele ainda pequeno fez, pois a rotina pesqueira não lhe era aprazível.
Vanilson seguiu os estudos em Jacundá, sendo acolhido na residência de uma das comadres de sua mãe, onde permaneceu por dois anos, cumprindo a 5ª e a 6ª séries. Posteriormente, conseguiu guarida na casa de sua tia paterna, onde concluiu o ensino fundamental. O segundo grau conseguiu ser realizado com o aporte de uma república de estudantes que a prefeitura da cidade disponibilizava para acolher jovens interioranos. “Essa república foi uma grande melhora para mim. Ali consegui ter maior liberdade, que ajudou bastante na minha trajetória”, diz o estudante.
Com dupla jornada, o aluno se dividia entre a ocupação de garçom à noite no Bar do Edimarcio, localizado diante da república, e o ensino médio, que cursava à tarde. Concluiu os estudos aos 19 anos e em seguida realizou curso pré-vestibular para tentar vaga em universidade pública. Sem sucesso, acabou por retornar à casa dos pais.
Entre o debulhar de pencas de açaí nativo e vendas de coco verde no cais dos pescadores, ele planejava uma maneira de dar continuidade aos estudos. Depois de um ano, no final de 2008, despediu-se da rotina ribeirinha e foi para a também paraense Marabá, cidade com maior infraestrutura, onde foi recebido pelo amigo Samuel, dividindo custas da locação de uma casa.
Na cidade, conseguiu progredir profissionalmente de atendente de lanchonete na rodoferroviária da cidade a auxiliar de inspeção federal em uma multinacional por oito anos, considerada a maior produtora de proteínas do mundo. Lá, também conheceu a atual esposa, Sergiane Rocha da Cruz, 40.
Em 2010, Vanilson retornou aos estudos, concluindo o curso técnico em radiologia dois anos depois, mas acabou por não seguir na profissão. Buscador constante de novos desafios, em 2016 passou em um concurso de nível médio na cidade vizinha, na prefeitura de Itupiranga, exercendo a função de fiscal tributário, que mantinha em conjunto com sua outra atividade laboral.
Quando passou em outro concurso de nível médio, em 2018, agora na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), pediu exoneração do antigo cargo comissionado e demissão da multinacional, dedicando-se exclusivamente ao novo cargo de assistente em administração. “Conseguir esse cargo dentro da universidade foi um divisor de águas para mim”, afirma Vanilson.
Trabalhando em ambiente acadêmico, foi instruído a graduar-se para aplicar o futuro diploma à função e, assim, conseguir aumentos salariais. Seguiu em busca de formas de ingresso em faculdades, e, com uma bolsa Prouni de 50%, foi admitido no polo Uninter Marabá, no curso de Recursos Humanos.
Em 2019, com o diploma em mãos, conseguiu aplicar pela prova de títulos sua qualificação na Unifesspa e galgou 25% de aumento na remuneração. Aspirando ser administrador concursado, fez do curso de Administração sua segunda graduação em agosto de 2020, ainda em andamento.
Instituição que capacita
Vanilson participou de uma pesquisa realizada pelo Departamento de Egressos da Uninter em que era ofertada uma bolsa integral de pós-graduação por meio de um sorteio feito pela Loteria Federal. Mais de 65 mil alunos foram alcançados, 2.092 efetivamente participaram e ele, em 21 agosto de 2020, foi o contemplado.
A pesquisa de egressos da Uninter ocorre anualmente em parceria com a CPA – Comissão Própria de Avaliação, sendo realizada em duas campanhas distintas. Segundo o professor Sidney Lara, coordenador administrativo de egressos, a pesquisa de cunho institucional é dividida em dois modelos: em julho, para os alunos que concluíram cursos de graduação, na qual Vanilson foi contemplado, e em outubro, para egressos de pós-graduação.
“Essa pesquisa é apresentada nos nossos relatórios anuais junto ao Ministério da Educação. Além dela, temos seminários voltados a esse público e um portal na internet, onde está disponível para o registro de depoimentos. Por meio de todas essas ferramentas, buscamos entender as necessidades, os anseios e como esse acadêmico estará brilhando no futuro. Beneficiamos quem responde a pesquisa pelo sorteio das bolsas de pós-graduação, e assim criamos a oportunidade para que que este aluno volte para a universidade e melhore seu processo de formação. O egresso, para mim, é a maior joia dessa instituição: é por meio deles que conseguimos fomentar outros alunos”, declara o professor.
Vanilson escolheu Gestão de Processos e Qualidade como sua pós-graduação e a iniciou logo em seguida ao comunicado da premiação, em novembro de 2020. Atualmente, ele cursa sua segunda graduação juntamente com a pós. “Fui comunicado que tinha até seis meses de prazo para iniciar a pós-graduação, mas resolvi ‘meter a cara’ e conciliar os estudos. Está puxado, mas estou conseguindo. Minha esposa me apoia muito”, conclui.
O rio Tocantins margeou o quintal de seus sonhos, e hoje o acadêmico consegue vivenciar a projeção que imaginou quando decidiu trocar a canoa pela caneta. Com a renda triplicada em comparação à soma dos dois empregos anteriores e com a capacitação que a Uninter lhe concedeu, Vanilson almeja aplicar os diplomas e conseguir maiores projeções salarias para fazer o tão sonhado concurso para administrador.
Autor: Sandy Lylia da Silva - Estagiária de JornalismoEdição: Arthur Salles
Sua perseverança é admirável, e é evidente que a república estudantil oferecida pela prefeitura foi um ponto crucial para seu desenvolvimento.
A trajetória dele mostra como, com apoio e força de vontade, é possível superar as dificuldades.
Sucesso ao Estudante/Pescador.