7 motivos para se preocupar com o metaverso
Autor: Guilherme Carvalho*O metaverso se tornou o tema do momento quando se fala em tecnologia digital. O recente anúncio do Facebook de que pretende aprofundar a virtualização das relações socais promete promover uma nova onda de transformações. O metaverso seria um mundo paralelo que alia realidade virtual, realidade aumentada e inteligência artificial para simular interações do mundo físico (veja a imagem).
Na verdade, já existem metaversos, principalmente no mundo dos games. Um deles é o Second Life, que se tornou uma febre no início dos anos 2000. O jogo permitia a criação de avatares (perfil virtual do usuário) para interação com outros usuários em um mundo criado por gráficos em programas de computador.
Seguindo este princípio, as chamadas big techs como Facebook, Google, Amazon, Baidu, Yahoo, Rakuten, entre outras, pretendem avançar no uso do ambiente virtual para diferentes situações.
Além do uso de avatares personalizados e de óculos 3D, o metaverso permitirá que sejam realizadas compras de produtos físicos no mundo virtual. Imagine que você estará em uma cidade virtual onde poderá entrar em uma loja, ser atendido por uma vendedora virtual ou pelo avatar de uma vendedora real, e experimentar as roupas, olhar seu avatar, e comprar o produto que será entregue em poucos dias ou, em alguns casos, em algumas horas em sua casa.
Depois do passeio, você poderá entrar em uma grande arena e acompanhar de camarote o show da sua banda favorita, após ter comprado seu ingresso, é claro. À noite, você poderá se teletransportar para a universidade virtual, onde haverá aula em salas ou espaços profissionais com muito mais sensação de realidade. As atividades práticas poderão ser simuladas com mais precisão e considerando o fator humano, já que outros alunos e professores poderão interagir de forma simultânea.
A revolução digital iniciada nas últimas décadas e profetizada por teóricos da comunicação como Marshall Mcluhan, depois Pierry Levi e mais recentemente Henry Jenkins, no entanto, continua sem oferecer respostas para problemas do desenvolvimento tecnológico. E o metaverso não parece indicar possibilidades de resolução destes problemas.
A seguir, listo 7 motivos para nos preocuparmos:
- Fragilização da democracia – Diferentemente do que se previa a respeito da popularização da internet, o ambiente digital não tornou o mundo mais democrático. Temos visto a ascensão de grupos extremistas que não estão dispostos ao diálogo, fruto das confusões causadas pelas redes sociais. O cenário de hiperpolarização política é fruto das dinâmicas fomentadas pelas câmaras de eco e bolhas formadas por redes sociais.
- Concentração midiática – Será cada vez mais presente o consumo em ambientes de grandes corporações globais como Facebook e Google. Consequentemente haverá uma destinação de recursos a estes grupos que poderão reinvestir cada vez mais para manter sua hegemonia, favorecendo a criação de oligopólios que engolirão as tradicionais empresas de mídia. Isto tudo sem que precisem produzir absolutamente nada em termos de conteúdo. Tudo produzido pelos próprios usuários.
- Acesso limitado – acesso a determinadas tecnologias e conhecimento permitirá que aqueles que ganham mais também tenham condições melhores para investir e ter acesso a serviços exclusivos. Os mais pobres, por outro lado, terão mais dificuldades em adquirir equipamentos ou serviços mais caros. Provavelmente veremos ambientes do metaverso que não estarão disponíveis a quem não puder pagar, a exemplo do que já ocorre no mundo real, para não falarmos daqueles que ainda não têm sequer acesso à internet ou outras tecnologias necessárias para acessar o metaverso. No Brasil, o dado mais recente é de 2019, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que aponta que quase 40 milhões de brasileiros não têm acesso à internet, cerca de 20% da população do país.
- (In)segurança digital – Por mais que se prometam recursos para evitar roubo de dados ou perfis falsos, o que se tem verificado é o aumento de crimes virtuais. A convergência de dados para acessar diferentes plataformas deve facilitar bastante o acesso de criminosos a contas individuais e também de empresas. Se hoje já é comum alguém se passar por outra pessoa no Whatsapp utilizando um perfil falso com sua foto, imagine o que ocorrerá quando forem criados avatares que poderão ser copiados.
- Desinformação – Um ambiente que simula com mais precisão a realidade possibilitará que as pessoas estejam ainda mais suscetíveis à desinformação e incapazes de discernir o que é verdade e o que não é. A tendência, portanto, será não apenas a difusão maior de fake news, mas também da chamada deep fake, que simula rostos, vozes, documentos, etc.
- Obsolescência de algumas profissões – É possível que muitas atividades desenvolvidas sem a necessidade de formação mais complexa acabem ficando obsoletas, como é o caso de atendentes, vendedores, comerciários, entre outros que atuam no setor de serviços. Hoje o comércio, o maior gerador de empregos do país, conta com 10,4 milhões de pessoas. Os pequenos e médios negócios que são os que mais geram empregos no país serão obrigados a investir na mudança para avançar nas vendas virtuais, reduzindo custos de venda e com funcionários, ou serão engolidos pelos grandes marketplaces que são os que têm condição de oferecer experiências de consumo virtual, diversidade de produtos e serviços, preço baixo e velocidade de entrega. Uma tendência, portanto, será o fechamento das lojas físicas.
- Problemas mentais e físicos – A vida conectada já tem gerado um crescimento acentuado de casos de ansiedade de depressão, além de distúrbios do sono e casos de alucinação. Também se tornaram comuns doenças nos olhos e articulações, aumento de problemas cardíacos como resultante do sedentarismo provocado pelas horas em frente às telas, entre outras doenças que estão associadas ao uso exagerado de equipamentos do mundo digital. Nesse sentido, saúde física e mental devem sofrer bastante neste novo ambiente e é possível que as pessoas, sobretudo as novas gerações, tenham que reaprender a viver no mundo real, já que a maior parte das experiências humanas estará condicionada ao ambiente virtual.
A evolução de tecnologias está longe de ser sinônimo de evolução humana. As guerras estão aí para provar do que o ser humano é capaz quando aplica a ciência e a tecnologia para fins obscuros.
Da mesma maneira, é preciso aprofundar o debate a respeito das tecnologias novas. Nesse sentido, as pessoas precisam se inserir neste debate e exigir políticas públicas que permitam o uso racional e adequado das tecnologias que estão em desenvolvimento.
* Guilherme Carvalho é jornalista, doutor em sociologia com pós-doutorado em jornalismo. É professor e coordenador do curso de Jornalismo da Uninter.
Autor: Guilherme Carvalho*Créditos do Fotógrafo: Facebook/oficinadanet.com.br