Colin Powell: do general herói ao chanceler vilão

Autor: André Frota*

A história da vida de Colin Powell mistura-se com os eventos que definiram o final do século XX e início do atual. Filho de imigrantes jamaicanos, estudou no City College em Nova Iorque, lugar em que participou de um programa de treinamento para formar futuras lideranças militares. E foi nesse ambiente que Powell progressivamente ascendeu até chegar ao posto de maior centralidade decisória das forças armadas, o comandante do Estado-Maior dos EUA, durante o governo de George H. W. Bush (pai) e secretário de Estado, em George W. Bush (filho).

A passagem de Powell pelo Vietnã, que lhe rendeu uma medalha de honra, seguida de seu trabalho como assistente direto de Caspar Weinberber, secretário de Defesa do ex-presidente Ronald Reagan, foi decisiva para projetar a sua figura como uma das pessoas mais populares dos EUA, assim como para estabelecer a “Doutrina Powell”. A experiência formativa do Vietnã e a oposição direta à participação dos EUA em uma operação de guerra entre Israel e Líbano, que deixou 241 americanos mortos em 1983, assentou as bases da sua doutrina.

Inicialmente elaborada nos seguintes seis princípios: 1) o “engajamento” deve ser considerado vital para os interesses nacionais dos EUA ou de seus aliados; 2) as forças armadas só devem ser enviadas com a “clara intenção de vencer”; 3) ao colocar vidas americanas em risco, “deveríamos ter obrigações políticas e militares claramente definidas”; 4) o tamanho e propósito da força enviada para lutar deveria ser “continuamente reavaliadas e ajustadas, se necessário”; 5) as tropas devem ter a garantia, antes de irem para o exterior lutar e possivelmente morrer, que têm “o apoio do povo americano e do congresso”.

Após desenvolver e ficar conhecido por esse conjunto de princípios reticente ao engajamento militar, os anos como secretário de Estado do Governo George W. Bush é que representaram uma virada na trajetória de glória e prestígio de Powell. Um militar e político com perfil moderado e negociador, esteve à frente das duas maiores operações de guerra no Oriente Médio após o 11 de Setembro. A própria invasão ao Afeganistão, que se tornou a maior guerra em que os EUA se envolveram em sua história, e a invasão ao Iraque, seguida pela deposição de Sadam Hussein. E foi essa última que deixou a cicatriz de maior escuridão em sua trajetória pessoal, assim como para a própria história contemporânea.

O enigma Powell é derivado do seguinte quebra-cabeça: como um general/chanceler com uma história crítica a intervenção militar foi até as Nações Unidas defender a intervenção no Iraque, afirmando a existência de armas de destruição em massa, em território iraquiano?

As provas de que não havia um programa nuclear ativo no Iraque ficaram totalmente evidentes após a intervenção e levaram Powell a ser substituído no segundo mandato de Bush filho. A quimera deriva da ilusão de que o secretário de Estado tinha de que esse programa existia, somado à sua fidelidade ao presidente.

O Governo Bush filho foi formado para os assuntos internacionais pela divisão entre figuras expoentes. De um lado, Powell e Condolezza Rice, antes conselheira de segurança nacional e conduzida ao cargo de secretária de Estado no segundo mandato de Bush filho; do outro, o vice-presidente Dick Cheney e o secretário de defesa Donald Rumsfeld.

Essa composição estabeleceu uma dualidade no processo decisório de política externa e de defesa, na qual Powell representava o perfil moderado e diplomático, enquanto Cheney e Rumsfeld eram os intervencionistas. E, de fato, Powell era inicialmente contra a intervenção no Iraque, enquanto a dupla Cheney-Rumsfeld eram os artífices do engajamento dos EUA.

O ponto de virada, seguida pelo alinhamento em direção à intervenção veio a partir da blindagem feita pela agência de inteligência americana à falta de evidências concretas da existência de um programa nuclear iraquiano. Powell foi convencido disso pela Central Intelligence Agency (CIA) e, em seguida, foi decisivo para convencer a opinião pública, após seu discurso nas Nações Unidas.

A legitimidade e a força da figura de Powell defendendo a suposta existência de armas de destruição em massa, em posse de Sadam Husseim, foi a bala de prata para a operação, que mudou a geometria de forças do Oriente Médio, ao destruir o poder regional representado pelo Iraque.

Em vias de síntese, Powell esteve à frente dessas duas ações que moldaram a história contemporânea: as guerras no Afeganistão e no Iraque. De um general herói, crítico do intervencionismo externo, ao chanceler vilão, que defendeu as duas maiores e mais desastrosas operações de guerra dos EUA no Oriente Médio.

* André Frota é professor de Relações Internacionais e Geociências da Uninter.

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Autor: André Frota*
Créditos do Fotógrafo: State Department USA


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