Como tornar o esporte uma ferramenta de inclusão

Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo

Os Jogos Olímpicos de Tóquio, adiados para este ano, iniciam oficialmente nesta sexta-feira, 23.jul.2021, com a cerimônia de abertura, e vão até o dia 8.ago.2021. São 301 atletas brasileiros que competem em 35 modalidades diferentes. O esporte possibilita que estes profissionais conquistem não apenas reconhecimento, mas também uma inclusão social e cultural que talvez não tivessem fora das competições. Ao mesmo tempo, as modalidades de alto rendimento podem se tornar excludentes, já que nem todos conseguem participar.

Marina Aggio, que já jogou pela seleção brasileira feminina de futebol e hoje é docente no curso de Educação Física da Uninter, garante que essa dicotomia é “um tema bastante polêmico”. Marcos Ruiz, coordenador da área de Linguagens Cultural e Corporal da Escola Superior de Educação (ESE), diz que isso acontece porque o campo esportivo é “um universo que às vezes nos leva a tomar algumas posições e opiniões construídas pelos meios de comunicação, que é de onde a gente tem a maior absorção de informação de forma mais generalizada”.

De acordo com Marina, o esporte surge de um princípio histórico da elite. Apenas com o passar dos anos é que as modalidades foram desenvolvidas para as classes mais populares. Marcos lembra que o próprio conceito de fair play é uma ideia burguesa, constituída no século 19, com ideal olímpico da prática corporal de determinado grupo social, economicamente favorável.

Hoje, no entanto, as práticas podem ser encontradas nas escolas, em condomínios e praças públicas, assim como nas quadras e campos esportivos. O que é conhecido como o esporte de lazer e pode ser praticado pelas pessoas no dia a dia. Ainda se tem o esporte educacional, com a concepção de inclusão de crianças e jovens nas atividades físicas, pensando não só em uma carreira profissional, mas na qualidade de vida e convívio social. Já nas modalidades de alto rendimento, só se encontram “os melhores índices, as melhores classificações, os melhores atletas do mundo inteiro”.

Romantização e exclusão no esporte

Com 20 anos de experiência no futebol de alto rendimento, Marina salienta que, por trás do espetáculo apresentado nas mídias, com mensagens de motivação e superação, o esporte não é tão inclusivo assim. “É essa análise que devemos fazer, aqueles atletas que estão ali, estão trazendo uma alta performance a partir dos seus limites”, explica. Para a profissional, é preciso analisar com cautela “essa fala romântica que a mídia passa para os telespectadores”, diz.

A realidade é muito mais dura do que as imagens espetaculosas que principalmente a televisão busca transmitir para a audiência. “Por trás, existe um ser humano, a gente não pode nunca esquecer disso. Aquele cara treinou insistentemente para estar ali durante meses, semanas e temporadas. Duas vezes ao dia, de duas a quatro horas”, diz Marina.

Atualmente, as crianças e os jovens vislumbram o sucesso profissional e a boa vida financeira de poucos atletas que se destacam e estampam os meios de comunicação. Tudo parece ser muito mais fácil do que realmente é, quando apenas as conquistam são mostradas. Por isso, a importância de os profissionais terem a criticidade de verificar se aquele cenário é o mesmo que se deve passar aos estudantes que estão na comunidade em que vivem.

“Não é mexer com os sonhos das crianças, mas trabalhar de forma com que consigam entender que existe criticidade entre o mundo que vive e o que é passado na televisão. Aquele ídolo que ganha milhões é 1% de todos os esportistas do mundo. Claro, aquele aluno que está junto conosco no projeto, treinando duas, três, quatro vezes por semanas, quer essa vida, essa oportunidade. E claro que nós, profissionais, temos sim que alimentar este sonho. Mas de uma forma que o nosso atleta não se decepcione tanto no esporte afim de que em algum momento possa abandonar, porque não conseguiu atingir aquilo que é mostrado nos nossos meios de comunicação”, explica.

Marcos lembra que muitas vezes há exclusão dentro do próprio campo esportivo, disputas internas entre diferentes modalidades, “que brigam por mais espaço na mídia, no gosto popular e, dessa forma, ter mais recurso para o desenvolvimento do esporte”. Com isso, o professor acredita que a criação de políticas públicas pode colaborar, já que muito da disputa entre modalidades para se tornar um esporte olímpico é para se encaixar em determinadas legislações e terem direito a recursos e conseguirem se desenvolver.

A professora Tatiane Calve, que também atua no curso de Educação Física, cita ainda a problemática de uma certa “precocidade” no esporte. Muitos pais que almejavam uma carreira profissional no campo esportivo e não conseguiram, muitas vezes pressionam a vida de atleta para os filhos. “Forçam a praticar uma modalidade que não é aquela que o filho deseja”, ressalta.

O esporte como ferramenta de inclusão

Segundo Marcos, uma sociedade inclusiva “é para todos, independente do sexo, idade, religião, origem étnica, raça, orientação sexual ou deficiência. Não apenas aberta e acessível a todos os grupos, mas que estimula a participação”. Dentro das competições, isso pode ser visto nas Paralimpíadas, que este ano acontecem entre os dias 24 de agosto e 5 de setembro, com 253 atletas brasileiros em 20 modalidades.

Tatiane diz que “o biotipo conta muito na determinação da prática esportiva de rendimento”, o que poderia ser algo excludente. Entretanto, a professora garante que a diversidade de modalidades permite que pessoas com os mais variados tipos de corpos sejam incluídas no esporte. A profissional lembra do sonho de se tornar uma jogadora de basquete, mas que a baixa estatura a impediu de avançar no profissional.

“Posso jogar basquete? Posso, eu competi bastante dentro dessa modalidade, mesmo com a minha baixa estatura, mas a gente sabe que é uma característica determinante. Eu vejo isso não como algo negativo, mas como algo positivo, porque temos inúmeras modalidades. Eu também joguei outras, como o futebol, tênis, patinação de velocidade. Tenho inúmeras possibilidades. Vejo essas características como forma de inclusão no esporte”, afirma.

Um exemplo apontado pela professora são as Olimpíadas Especiais, voltadas para pessoas com deficiência intelectual. “O objetivo principal não é vencer, por mais que haja competição. É possibilitar a prática esportiva”, destaca.

Para além das competições, Marina lembra da inclusão social e cultural que o futebol a proporcionou, dando a possibilidade de conhecer diversos outros países e vínculos com diversas pessoas por ser atleta de alto rendimento. “Aproveitei essas oportunidades, como estudar. Consegui fazer minha graduação em educação física por meio do esporte, assim como a pós-graduação e sucessivamente”.

Outra questão importante ressaltada pela docente é “possibilitar as práticas para os alunos de forma mais democrática possível” dentro das escolas. A tese de mestrado dela, inclusive, foi sobre pensar em meninas que “pudessem jogar futebol do jeito que elas soubessem”. Para isso, é fundamental que os profissionais do ensino básico, onde os jovens têm o primeiro contato com o esporte, sejam éticos e democráticos. Além de sempre promover discussões sobre práticas que possibilitem essa postura.

“Estamos falando de pequenas atitudes. Se a partir do momento que eu, enquanto profissional de educação física, excluo o meu aluno na aula, este aluno por si só não vai realizar uma prática e, por consequência disso, talvez seja um adulto sedentário, porque inibi a prática dele. Olha a nossa importância, enquanto educador, de democratizar as práticas em qualquer espaço”, salienta.

Desta forma, Marcos acredita que “um preparador físico ou um técnico muito conhecedor da sua experiência, se não tiver outros conhecimentos, condições de interpretar o ser humano que está com ele, mais prejudica do que contribui”. O profissional retoma o conceito de fair play, que “significa muito mais do que o simples respeito às regras. Cobre noções de amizade, respeito, espírito esportivo, representa o modo de pensar e o modo de ser e agir”, complementa.

Tatiane encara o esporte como uma “ferramenta de inclusão social, educacional, como formador de cidadão”. “Não consegui ser uma grande jogadora de basquete, mas o esporte me cedeu muito também, não é à toa que eu fui para a área de educação física. Me proporcionou esse crescimento dentro da profissão que eu escolhi. Se nós fizermos um bom trabalho com o esporte na infância e na adolescência, com certeza vamos ter adultos e idosos menos sedentários. E isso é extremamente importante para a qualidade de vida de todos”, finaliza Tatiane.

Os profissionais abordaram mais sobre o esporte e as possibilidades de inclusão dele em outras áreas de conhecimento na última edição do programa Em Movimento, com o tema Esporte: inclusão ou exclusão?. O bate-papo completo segue disponível para livre acesso neste link.

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Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo
Edição: Mauri König
Créditos do Fotógrafo: Lucas Ninno/Creative Commons


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