A força do livro didático na formação dos estudantes
Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de JornalismoNo momento em que as informações estão na palma da mão dos estudantes, devido às facilidades e rapidez do avanço tecnológico, surgem discussões sobre a importância e utilidade dos livros didáticos. Muitos jovens já utilizam materiais digitais, como os e-books, e perdem cada vez mais o vínculo com as obras no formato físico. Se há alguns anos se construía bibliotecas em casa, hoje todos os títulos podem ser armazenados e buscados em um único dispositivo de leitura digital.
As transformações seguem a evolução da sociedade. No entanto, a professora Marísia Buitoni, que é doutora em geografia humana e atua na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), acredita que com a estrutura escolar e as possibilidades técnicas que ainda se tem na rede pública, o livro didático ainda é um importante material de apoio para os professores. Para além disso, muitas vezes a única leitura que entra na casa dos estudantes é essa, tamanha a desigualdade e falta de acesso ao mundo digital ainda presentes no Brasil.
Muitas críticas se dão em torno de que os profissionais não vão muito além do que as apostilas propõem e tendem a não ampliar os conhecimentos para outras perspectivas. Mas Marísia diz que hoje isso mudou. “O professor já sabe que pode utilizar na sequência que achar mais conveniente, de acordo com o projeto da escola. Eu entendo que o material didático é ainda um importante material de apoio para o trabalho do professor, porque auxilia no planejamento geral, organização das atividades, fornecimento de informações corretas e atualizadas”, afirma.
“Já trabalhei não usando o livro didático, mas isso também pressupõe que o professor deva estar atualizado, organizando o material, e a escola tem que providenciar esse recurso”, completa.
Todas as coleções adquiridas e distribuídas para as escolas públicas do país são de responsabilidade do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), dentro do Ministério da Educação (MEC). O projeto existe desde a década de 1980, mas só entre 1990 e 2000 que se iniciam as avaliações pedagógicas dos materiais, realizadas por uma equipe composta por professores universitários.
Marísia foi coordenadora do PNLD entre 2004 e 2016 e conta que “o objetivo principal era realmente prover as escolas públicas do ensino fundamental e médio com os livros didáticos e os acervos de obras literárias, obras complementares e dicionários com formatos menores, para que os alunos pudessem levar e manusear”. O diferencial da ação é que, ao contrário das políticas de governo, que sofrem mudanças de um para outro, o projeto foi consolidado e é considerado de estado. Por isso, se mantém até hoje, mas com algumas mudanças.
Até 2016, os livros didáticos distribuídos aos alunos e os livros literários encontrados nas bibliotecas escolares pertenciam a diferentes programas. O decreto nº 9.099, de 18 de julho de 2017, unificou os dois em um único PNLD, o que significa uma baixa para as bibliotecas, já que são fundidos e a verba disponível diminui.
Maria Eneida Fantin, professora da Escola Superior de Educação (ESE) da Uninter, lamenta o fim do Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), pois o projeto proporcionou um “acervo literário riquíssimo” para as bibliotecas escolares. A profissional ainda expõe dois aspectos políticos muito válidos sobre o PNLD. Primeiro, por disponibilizar os livros didáticos gratuitamente para os alunos, o que antes não existia, e ajuda os jovens a permanecerem nos estudos.
“Testemunhei muitos estudantes tendo dificuldades imensas de comprar os livros para poder acompanhar o ano letivo, as famílias fazendo sacrifícios enormes para isso”, conta.
A professora Renata Garbossa, coordenadora da área de Geociências da ESE, lembra como era a realidade da época que estava no ensino básico, quando o pai precisava parcelar o valor do material durante todo o ano. “Éramos em seis irmãos e meu pai passava o ano todo pagando os livros, porque não tinha outra alternativa. Ou pagava e nós estudávamos ou nós não conseguíamos”, salienta.
Segundo Maria Eneida, um segundo ponto muito importante são as avaliações pedagógicas, que “traz o princípio de que o Estado não vai gastar dinheiro público com material ruim, então não entra no guia do MEC. Na minha opinião, são os dois principais valores do PNLD”, conclui. Mas salienta que para a melhor utilização do material didático, é preciso que os profissionais tenham uma boa formação inicial e continuada, para que não se tornem dependentes apenas dos livros e ampliem os conhecimentos dos estudantes.
O trajeto dos livros até as escolas
Para receber os materiais didáticos, as escolas precisam fazer adesão e anunciar interesse. Assim como as editoras de coleções pretendentes precisam se inscrever para serem avaliadas antes da compra dos livros. A professora Marísia acredita que “o edital é a parte mais política do programa”. É neste documento que está a visão de educação e das disciplinas que se pretende passar, onde são apresentadas as questões norteadoras, princípios, diretrizes, o que deve e não deve se observar para a organização do livro, para os autores e editoras saberem como vão trabalhar.
Realizadas as inscrições, os livros candidatados são enviados para triagem no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), em São Paulo (SP). “Vão olhar se o livro tem páginas transparente de tal forma que o desenho aparece na outra, se tem muita luminosidade que o aluno do noturno não consiga ler, se tem descanso do olhar entre os assuntos, se as figuras estão visíveis e uma série de outras questões técnicas observadas”, explica Marísia.
Na etapa seguinte, acontecem as avaliações pedagógicas. As universidades interessadas em realizar esse processo devem se candidatar e são escolhidas pelo MEC. Os livros são avaliados no sistema “duplo cego”, em que dois professores recebem para avaliação e não sabem quem é outro. Após isso, se reúnem com um mediador, que vai discutir os pontos observados. A mediação é importante no caso de opiniões contrárias. Depois, ainda há avaliações realizadas pelo coordenador adjunto e coordenadora geral, que escreve e inclui a coleção no guia do MEC.
Esse guia é enviado para as escolas, com a apresentação de todas as diretrizes e questões analisadas para aprovação das obras. A direção da instituição escolhe qual coleção quer e o pedido é realizado por um aplicativo on-line. É um processo longo e minucioso, que depois ainda passa pela produção, análise de qualidade física e distribuição para as unidades escolares.
“Durante o período que fiquei nesse programa, só vi aumentar a qualidade e a quantidade. O estudante passou a receber todos os livros”, comenta Marísia. “Acho que muito que se tem que discutir nessa qualidade seria o foco que realmente precisa ter em cada ano de escolaridades. Mas a logística é impressionante”, afirma.
Em 2016, foram mais de 14,5 milhões de livros distribuídos na região Norte do país, mais de 36,6 milhões no Nordeste, mais de 42,7 milhões no Sudeste, mais de 15,7 milhões no Sul e 9,1 milhões no Centro-Oeste.
Renata diz que é importante os estudantes de licenciatura, futuros profissionais que estarão nas salas de aula, se atentarem para o valor que esses materiais gratuitos possuem para os alunos e as famílias. “A mudança da questão educacional do país para que essa população com menor condição financeira possa estar também em salas de aulas, ter uma formação e mudar a realidade que se apresenta”, conclui.
Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de JornalismoEdição: Mauri König
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