Preservar as brasilidades é essencial para a identidade do Brasil
Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de JornalismoO Brasil é composto pelas mais diversas formas de expressão, representadas por diferentes grupos culturais, que manifestam suas identidades através da arte, dança, ritos, músicas, culinária, símbolos, patrimônios materiais e imateriais, valores e até mesmo a legislação. Com um território de dimensões continentais, o país é riquíssimo em sua diversidade.
Todo esse conjunto identitário da população é chamado de brasilidades, formadas a partir da memória e preservação do conhecimento. Há grupos que se distanciam dessas raízes, devido a fatores como a colonização e influências de culturas dominantes e hegemônicas, a globalização ou mesmo a crença de que tudo o que é estrangeiro tem maior valor. Isso faz com que os costumes tradicionais se dissolvam com o passar das gerações.
A museóloga Heloisa Helena Costa apresenta o conceito de saúde cultural como algo essencial para a saúde mental, emocional e física do indivíduo. Com base nisso, a professora Danielly Dias Sandy, mestre em museologia, diz que “se não temos uma boa relação com a nossa memória, não temos uma identidade fortalecida, não sabemos quem somos, onde estamos. Ficamos sujeitos a vários projetos de ódio, questões que podem causar danos não apenas ao indivíduo, mas à sociedade inteira”.
Por isso o conhecimento é tão importante, para que a povo brasileiro possa se reconhecer e cultivar o sentimento de pertencimento. Isso se dá através da busca, valorização e resgate da brasilidade. “E viver de uma forma saudável, manter essas memórias”, completa Heloisa.
Durante os séculos, diversos movimentos e personalidades brasileiras almejaram o fortalecimento dessa identidade nacional. Nas primeiras décadas do século passado, Mário de Andrade viajou por todo o Brasil, fez pesquisas, compilou e estudou elementos do país para um projeto que não vingou. Já em 2010, o Plano Nacional de Cultura (PNC), criado pela lei nº 12.343, surgiu como proposta de reconhecimento e promoção dos diferentes grupos e culturas populares.
Danielly lembra que “a cultura precisa do envolvimento do indivíduo para existir”. Um exemplo de como as culturas nacionais e estrangeiras são tratadas e impactam de formas diferentes são os casos de incêndio no Museu Nacional no Rio de Janeiro, em 2018, e na Catedral de Notre-Dame em Paris, no ano seguinte. Quanto ao primeiro, muitas pessoas nem sequer sabiam da existência do museu, já que a arte, a história e a cultura do Brasil não são disseminadas ou não recebem a devida visibilidade. Também há muitos termos pejorativos diretamente associados à população, como a corrupção ou mesmo o “jeitinho brasileiro”.
“Nós esquecemos que não podemos generalizar tudo. Existem indivíduos tóxicos para o país, perversos, que querem justamente que a cultura brasileira seja minimizada, desprezada, ou até destruída. Isso não representa o Brasil com toda a sua grandeza. Nós precisamos olhar de uma maneira mais consciente para essa realidade. É um ato subversivo se envolver culturalmente com a sua história, conhecer a própria história, amar a própria cultura, reconhecer a beleza da cultura do outro, respeitar. Em termos culturais, temos que realmente abrir as nossas mentes para aprendermos a respeitar, porque quando falamos de cultura, estamos falando de valores humanos e também de direitos”, salienta a docente.
Para a professora Maristela Gripp, doutora em estudos linguísticos, “falar de brasilidade, é falar de uma construção”, sendo histórica, social e política. A profissional ressalta que o povo brasileiro não é apenas os índios, africanos ou imigrantes. A população se constituiu como uma nação única, a partir das diversidades aqui presente, com suas próprias especificidades.
Maristela cita alguns aspectos da linguagem, como algumas palavras que não possuem tradução para outras línguas (a “saudade”, por exemplo), os diminutivos, aumentativos, expressões de tratamento e as questões da religiosidade, presente no vocabulário e em diversas outras formas de expressão. Neste sentido, a professora Maria Emilia Rodrigues ressalta que a língua ganha novas variações conforme os tempos e as situações. Cada região possui suas particularidades e muitos sotaques são carregados de preconceito.
No livro “Preconceito Linguístico”, o professor Marcos Bagno trata de todos os preconceitos existentes. Maristela afirma que este este livro e outro do mesmo autor, “A língua de Eulália”, são obras que “todo mundo deveria ler, independente de ser aluno de Letras ou não”. A docente ainda questiona se em um país com o tamanho do Brasil seria possível existir uma uniformidade na forma de falar, visto a infinidade de influências vividas pelos falantes.
“A nossa língua oficial é o português brasileiro, mas esse português é elaborado, produzido, de maneira diferente. E isso não quer dizer que seja melhor nem pior, nem mais bonito nem mais feio. O que nós temos são falares diferenciados, assim como nós temos produção cultural diferenciada. Isso não quer dizer que as pessoas vão ser mais ou menos inteligentes que as outras. É muito engraçado como nós juntamos duas coisas em um pacote só e uma coisa não tem nada a ver com a outra. Produção linguística, modo de falar, não afeta a produção intelectual das pessoas, nem o sotaque do Rio de Janeiro é mais bonito do que o do Rio Grande do Sul, do que o de Curitiba. São modos de falar diferentes, que têm razões históricas, fonéticas, fonológicas, que vão dar conta de explicar isso”, complementa.
A professora Valéria Pilão diz que é pela língua que “sabemos que somos brasileiros. Esse é um elemento evidente, mais material, e ao mesmo tempo imaterial, impossível”. E garante que há um projeto político por trás das escolhas do que é valorizado ou desvalorizado na cultura brasileira, feitas a partir de perspectivas políticas, econômicas e sociais. A docente lembra de quando o samba, ritmo da periferia, se tornou um crime e as pessoas podiam ser presas, caso flagradas com um violão debaixo do braço. O que depois foi elevado à cultural nacional, “mas retirando tudo aquilo que se considera indesejado, descaracterizando a letra do samba, que falava muito do cotidiano da população”, pontua a professora Maria Emilia.
“Também temos que pensar nesses processos de escolhas e nessa mutação de algo que era popular, prático, cotidiano. Quando se torna nacional, vai ser esvaziado de uma série de elementos, conteúdos, simbologia. Tudo que é nacional foi popular um dia, mas nem tudo que é popular, se torna nacional. O que nós podemos questionar é: Por que determinadas coisas foram eleitas para se tornarem nacionais? Por que outras não foram eleitas a essa condição? E o que significa isso do ponto de vista da prática social?”, finaliza Valéria.
Maristela salienta que “ninguém valoriza o que não conhece”, por isso a importância de ampliar os conhecimentos acerca das origens e raízes brasileiras, que constituíram a sociedade como é hoje e que deve ser valorizada, para se manter a memória e cultura nacional.
As professoras, que atuam na Escola Superior de Educação (ESE) da Uninter, debateram sobre o tema Brasilidades na 14º edição do Café com Sociologia, transmitido ao vivo no dia 10.mai.2021, na página de Humanidades e canal da ESE. O evento segue disponível para livre acesso.
Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de JornalismoEdição: Mauri König
Créditos do Fotógrafo: Pixabay e reprodução Facebook
Maravilhosa visão socio cultural, vou abarca-la com meus alunos no EF I, acho impressindível que o tema seja dialogado desde sempre.