A participação militar no governo Bolsonaro

Autor: Arthur Salles - Estagiário de Jornalismo

(Rio de Janeiro - RJ, 12/12/2019) Solenidade de Entrega de Espadas aos formandos da Turma José Vitoriano Aranha da Silva..Foto: Isac Nóbrega/PR

 

As Forças Armadas brasileiras têm há mais de século um papel fundamental na condução política do país. Da fundação da República, em 1889, à ditadura militar entre 1964 e 1985, Exército, Marinha e Aeronáutica estiveram posicionados no tabuleiro do poder do Brasil. Ora com mais peças, ora com menos, os militares saíram de cena do comando político do país a partir do processo de redemocratização na década de 1980, voltando à ribalta em 2016.

O ano foi marcado pelo impeachment da então presidenta Dilma Rousseff e pela posse do vice da chapa, Michel Temer. A transição abriu caminhos para a alocação de militares em cargos do governo federal devido à crise do sistema partidário e ao desgaste da classe política. Nas eleições seguintes, em 2018, o capitão reformado do Exército Jair Bolsonaro (sem partido) é eleito presidente, tendo como vice o general da reserva Hamilton Mourão (PRTB).

Entre o fim do governo de Temer, em 2018, até o mês passado, Bolsonaro havia multiplicado por dez o número de militares no comando de estatais: de nove a 92. Segundo o TCU (Tribunal de Contas da União), em julho de 2020 havia 6.157 militares em funções civis do governo federal. O número contrasta com os 2.765 que ocupavam cargos na administração pública federal em 2018. Os dados foram reportados em matéria do jornal Folha de São Paulo.

Para além da representação militar de Bolsonaro e Mourão, o ressurgimento das Forças Armadas no jogo político pode ter outras causas. É o que indica a professora de Relações Internacionais e Ciência Política da Uninter Natali Hoff.

A docente resgata a ideia de “república tutelada”, lavrada pelo cientista social e historiador José Murilo de Carvalho. Para ele, as Forças Armadas carregam consigo o papel de mediador dos conflitos entre grupos divergentes no cenário político, quase como um quarto poder constitucional.

O pensamento pode ser atribuído à própria Carta Magna de 1988, que deu papel político e social aos poderes militares. O artigo 142 expressa que as Forças Armadas devem garantir a defesa da pátria e o funcionamento pleno dos três Poderes, evitando o caos social na ordem interna do país.

Mesmo antes da Constituição, a alternância de poder entre civis e militares desenhou as diferentes etapas da política nacional. Tanto a República Velha (1889-1930) quanto a Era Vargas (1930-1945) surgiram por meio de golpes militares. O mesmo se aplica à deposição de Getúlio Vargas em 1945 e à instauração da ditadura militar em 1964.

A mentalidade autoritária é persistente na história brasileira. Uma democracia jovem, com abertura conduzida pelos militares entre os anos 1970 e 1980, tende a ceder lugar à tutela das Forças Armadas.

“Acho que falta no processo de transição democrática brasileira um devido endereçamento dos ressentimentos guardados por todas as partes. Os militares não admitem os abusos cometidos durante a ditadura, e isso gera revanchismo muitas vezes pelos grupos que foram afetados e que gostariam que tivesse uma alocação dos crimes cometidos”, argumenta Natali, especialista em conflitos internacionais e estudos de paz.

O ideal tirânico corrente na sociedade brasileira e a ruptura das forças tradicionais da política democrática dão margem ao apoio militar recebido por Bolsonaro, segundo André Ziegmann, professor de Ciência Política da Uninter. “Isso vai abrir espaço para a figura de um agente externo saneador, de uma força outsider, fora dessa classe política, para tentar resolver a crise brasileira”, diz.

Ainda que o histórico brasileiro reserve particularidades na articulação civil-militar, Natali retoma outra percepção de Carvalho: a organização democrática em diferentes nações. Países como os Estados Unidos e alguns europeus, que remontam a séculos de democracia liberal, tendem a coibir a disputa de classes e a identificação dessas, especialmente a do proletariado. A hegemonia burguesa desses locais diminuiria as cisões e os conflitos políticos internos.

Já à periferia do Primeiro Mundo, países como o Brasil apresentam democracias fragilizadas em seus processos de implantação. O desenvolvimento político teria como base as rusgas entre diferentes classes e grupos, com moderação dos militares na ocupação de poder e no uso da força.

Bolsonaro apropriou-se da turbulência política para ter o apoio de alas militares e canalizar seu projeto de poder. A falta de coalizão interpartidária e base parlamentar em mais de dois anos de mandato, hoje refletida nas concessões ao Centrão, reiteraram o suporte militar como baluarte do governo. Mas até isso tem se mostrado instável ao controle do presidente.

No final de março, os três comandantes das Forças Armadas renunciaram aos seus cargos: Edson Pujol (Exército), Ilques Barbosa Jr. (Marinha) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica). A decisão foi tomada um dia depois da exoneração do general Fernando Azevedo e Silva, então ministro da Defesa. Apesar de nenhuma das demissões ter declarado expressamente os motivos, a sinalização é de distanciamento da cooptação do Estado pelas forças militares, desejo manifestado por Bolsonaro e seus asseclas em diversas ocasiões.

As demissões expõem a divisão de pensamento dentro das Forças Armadas em relação à escalada da militarização da política, especialmente entre os grupos de oficiais na ativa e na reserva. Os últimos compõem as principais vozes ressonantes à política bolsonarista, como os generais e ministros Walter Braga Netto (Defesa), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Luiz Eduardo Ramos (Casa Civil).

Para Natali, é importante estabelecer equilíbrio nas relações de poder entre representantes eleitos e os agentes que detêm o monopólio do uso da força do Estado. “A gente precisa ter mecanismos de regulação e controle dos grupos que possuem a força de fato por parte dos civis. Tudo isso dentro de um processo democrático, respeitando as características de cada um dos lados e sempre pensando na maior efetividade do uso das Forças Armadas e na alocação racional dos recursos”, finaliza.

O bate-papo entre os professores ocorreu em 5.abr.2021, em transmissão realizada na página do curso de Ciência Política no Facebook. Para conferir a apresentação na íntegra, clique neste link.

Incorporar HTML não disponível.
Autor: Arthur Salles - Estagiário de Jornalismo
Edição: Mauri König
Créditos do Fotógrafo: Isac Nóbrega/Palácio do Planalto


Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *