Espaços públicos são mais valorizados com a pandemia
Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de JornalismoCom a pandemia, os espaços públicos começaram a ganhar novas percepções, por causa da necessidade de isolamento social e a impossibilidade usufruir desses lugares. Isso também trouxe maior atenção para problemas que já existiam e eram deixados de lado. A professora Gabriela Bortolozzo, que é geógrafa e estuda sobre o espaço público no doutorado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), usa a analogia do corpo humano para dizer que assim como os indivíduos recebem sinais físicos sobre uma doença, a cidade também mostra sinais de que não está bem. Acontece que, com a chegada da Covid-19, não foi mais possível empurrá-los para “debaixo do tapete”.
O transporte público, por exemplo, já se demonstrava um problema muito antes, já não funcionava e estava sempre superlotado. O agravante com a pandemia se deu, porque essas aglomerações podem agora custar vidas. A grande população em situação de rua também recebeu mais atenção. Os direitos básicos do ser humano deveriam garantir que essas pessoas não se encontrassem nessa realidade, mas só vieram à tona por causa da maior exposição que sofrem ao vírus, sendo colocados como grupos prioritários para a vacinação em muitas cidades. Assim como o saneamento básico precário, que mostrou que milhões de pessoas não tinham o mínimo para manter a higiene e se proteger, que é a água.
A população mundial precisou passar por um processo de adaptação, mas muitos sequer têm condições para se adaptar. Além do mais, há problemas como a falta de acesso a informação e, mais do que isso, a desinformação sendo compartilhada através de fake news, que fica visível com o negacionismo à ciência, por exemplo.
“A gente viu os espaços públicos novamente sendo respeitados e desrespeitados, porque os espaços públicos também já eram desrespeitados. A falta de atenção, o abandono, a falta de políticas públicas. Se a gente pegar uma cidade que tem muitos espaços públicos para a população fazer esporte, ter entretenimento, lazer gratuito, a gente está democratizando o acesso a essas coisas. E, normalmente, uma população que tem acesso a essas coisas de graça, é uma população mais saudável. E é por isso que é muito mais fácil conter uma pandemia em cidades saudáveis com organizações e políticas públicas saudáveis”, salienta Gabriela.
A pesquisadora, que participa do Observatório do Espaço Público, conta que pesquisas realizadas sobre cidades latino-americanas durante a pandemia apontam que “um dos modais que mais cresceram foram as bicicletas”. A notícia é boa, explica ela, porque além de ser um meio de transporte mais saudável, barato e ecológico que os automóveis, também é unitário e mantém o distanciamento social.
Outro ponto, segundo a doutoranda, é que é um tempo de resistência e valorização da vida, com a busca por uma qualidade de vida melhor. Isso gera, por consequência, mais cuidado com as pessoas próximas e traz sinais de cidades mais saudáveis. As pessoas demonstram saudades dos espaços públicos, o que antes não se tinha. É possível que agora esses lugares passem a ser observados com “outros olhos, outras perspectivas”.
“Dando valor à vida, a gente também dá valor as nossas cidades, a nossa sociedade, aos espaços, principalmente aos espaços abertos e livres. Quando eu falo livres, eu estou falando realmente livres, que incluam as pessoas, que de fato a gente consiga fazer com que volte a ter todas as características antigas, clássicas. Como ser espaço político de debate, onde as pessoas se encontram, ser um espaço de manifestação. Eu realmente espero que isso aconteça, que a gente saiba o valor de um espaço público, livre e gratuito, de acesso para todo tipo de pessoa”, conclui.
Espaço público x espaço privado
A discussão sobre a definição do que é espaço público ou privado recebeu no século 20 bastante contribuição dos filósofos Jürgen Habermas, da Alemanha, e Hannah Arendt, dos Estados Unidos. Os estudiosos se basearam na esfera pública e privada da Grécia Antiga, mas Gabriela explica que há diferenças entre a época que eles pensaram, na Era Moderna, e a filosofia clássica.
“A gente pode dizer que tem um pouco de ‘imaginação’ no pensamento desses grandes filósofos. Existe uma tentativa em demonstrar, principalmente o quanto o aspecto político do espaço se sobrepõe a outros aspectos”, afirma.
Habermas e Arendt partem do pressuposto de três esferas: a política, a social e a privada. Nos tempos da Grécia Antiga, a esfera política se mostrava com uma visão universal sobre a organização da cidade, naquela época era cidadão o cidadão livre, ou seja, homens brancos e detentores de escravos. A esfera social era embasada no sistema administrativo das atividades cotidianas e manuais da polis que mantinham a organização. Já a esfera privada se dava entre a família, em casa, dentro de seus clãs e organizações. Além disso, existia uma hierarquia, com os homens pais no topo.
Hoje, a política se dá de forma muito mais partidária e a menor célula da sociedade, na esfera privada, é o indivíduo. Na Era Moderna, com os novos pensamentos, as três esferas se confundem umas com as outras, o que faz surgir a esfera pública. Isso gera a “crise do espaço público”, que é a desorganização da cidade, do que é público, privado e se essas esferas devem ser bem delimitadas ou não.
A cidade pensada a partir de forma e função
A disciplina de urbanismo surge na Escola de Bauhaus, na Alemanha, por volta de 1920. Ela se dá para “firmar um conjunto de princípios que tenha o intuito de intervir para reformar os espaços urbanos”. A cidade passa a ser pensada para a junção de forma (estética, estilo) e função, ou seja, tudo o que é construído tem que ter uma utilidade. Uma das críticas sobre a existência da crise do espaço público e a confusão que se fez com as esferas é que isso causou a não valorização de espaços públicos, os deixando de lado e sem verba, além de ser sobrecarregado dentro da esfera política.
“É como se o único responsável por esse espaço fossem os políticos em suas diferentes camadas, escalas. Segundo esses filósofos, a gente joga toda a responsabilidade sobre a esfera política, mas o espaço público abarca basicamente todas as esferas, principalmente no mundo contemporâneo. É como se a gente dissesse que a partir do momento que o urbanismo começou a atuar, ele começou a tentar a dividir essas esferas de novo, mas ao mesmo tempo isso foi muito difícil, porque o mundo contemporâneo mostra que o espaço é elástico, que não é tão dividido em esferas, ele não é tão diferente de uma esfera privada”, explica Gabriela.
Existe também outros filósofos, geógrafos e pensadores que criticam a ideia de forma e função, porque é baseado em um único pensamento, da filosofia ocidental moderna, o que automaticamente anula ou exclui outras possibilidades e visões. A partir de novos olhares, outras perspectivas passaram a ser levadas em consideração. Os geógrafos contribuíram nesse processo, através de bases republicanas, que defendiam o Estado, ou marxistas e culturalistas, que pensavam a cidade como um corpo humano.
Isso gerou uma aproximação maior da realidade do indivíduo, pois leva também em consideração a opinião de pessoas comuns, que convivem nesses ambientes no dia a dia. As construções passaram a pensar em possíveis problemas que não eram analisados antes e observar se a passagem e vivência por esses lugares são acessíveis a todos.
Gabriela debateu sobre o tema Os espaços públicos pós-pandemia na última edição do programa Geociências: Conjuntura e debate, do dia 17.mar.2021, apresentado pela professora Renata Garbossa, coordenadora da área de Geociências da Escola Superior de Educação da Uninter. O evento, transmitido ao vivo pela página do Facebook e canal do Youtube, segue disponível para acesso.
Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de JornalismoEdição: Mauri König
Créditos do Fotógrafo: Pixabay e reprodução