O saldo das eleições pelo olhar de quem entende e participou do processo

Autor: Arthur Salles – Estagiário de jornalismo

As eleições municipais deste ano ficaram marcadas pelo cenário incomum da pandemia de Covid-19. O pleito, que já era aguardado por cientistas políticos devido a mudanças nas regras eleitorais, ganhou uma nova dimensão a ser analisada.

Entre 2.out.2020 e 4.dez.2020, o curso de Ciência Política da Uninter realizou uma série de transmissões, transmitidas pelo Facebook, focadas nos aspectos singulares das eleições de 2020. A iniciativa foi resultado de uma parceria da instituição com o projeto Universidade Amiga da Justiça Eleitoral, do TRE-PR (Tribunal Regional Eleitoral do Paraná), e teve a participação de dez especialistas em Direito e Ciência Política ao longo da programação.

O convênio foi um modo de aproximar os universitários do cotidiano de uma eleição, estimulando-os também a atuarem como mesários a partir de treinamentos online. O projeto serviu para cobrir o decréscimo de mesários voluntários ocasionado pela pandemia. A parceria ainda previu certificado de participação de 30 a 60 horas extracurriculares a cada estudante inscrito no programa.

“É uma forma de proporcionar aos nossos alunos que eles vejam na prática a teoria aprendida no momento acadêmico”, diz Débora Veneral, diretora da Escola Superior de Gestão Pública, Política, Jurídica e Segurança da Uninter. “Quando o aluno se torna mesário numa parceria como essa, com certeza é uma experiência que ele vai levar para vida toda e um grande diferencial.”

A Uninter foi a instituição de ensino superior escolhida pelo TRE-PR para dar início à iniciativa. Ao todo, 54 universidades participaram da ação em 147 municípios do estado. O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) parabenizou o projeto e recomendou a implantação do programa aos demais TREs do Brasil ainda neste ano.

“Academia e Justiça Eleitoral prestam um serviço público. Apesar de a Uninter ser uma entidade privada, a gente cumpre essa função social de fato”, comenta o servidor do TRE-PR Frederico Almeida.

Abaixo você pode conferir os assuntos abordados em cada transmissão, todas mediadas pelo coordenador do curso de Ciência Política da Uninter, Lucas Massimo.

Construção da imagem do candidato

Com a diminuição das oportunidades de divulgação presencial, como reuniões, comícios e demais aglomerações, as redes sociais online tiveram um papel fundamental nas eleições deste ano. Os meios tornaram-se uma alternativa barata, de fácil acesso e grande amplitude diante das mídias tradicionais de comunicação. Seu crescimento no meio político já era notado pelo menos desde a eleição de Barack Obama nos Estados Unidos, em 2008.

No último pleito presidencial do Brasil, Jair Bolsonaro (sem partido) conseguiu ser eleito com somente 16 segundos diários de propaganda eleitoral na televisão e no rádio. Geraldo Alckmin (PSDB), que detinha o maior tempo entre os candidatos (11 minutos), conquistou apenas 4,7% dos votos válidos.

Mas nem mesmo os mais de 35 milhões de seguidores de Jair Bolsonaro nas redes (Facebook, Instagram e Twitter somados) são capazes de sempre assegurar uma votação majoritária. André Ziegmann, professor do curso de Ciência Política da Uninter, argumenta que esses meios servem para engajar o eleitorado dentro e fora das redes. Candidatos que têm mais recursos também têm mais chances de contratar equipes qualificadas para o serviço feito na internet.

Há uma necessidade de conversão e fidelização das curtidas digitais. Esses aspectos serviriam para refletir a aderência das ideias do candidato junto a seus seguidores, agora transformados em militantes. Os valores ultrapassariam o suporte virtual e ganhariam forma no mundo real. As redes tiveram influência determinante sobre 45% do eleitorado brasileiro nas eleições de 2018, de acordo com pesquisa do DataSenado. O mesmo levantamento indica que 80% dos entrevistados acreditam no forte impacto das redes sobre a opinião popular.

Doutor em Sociologia e professor da Uninter, Doacir Quadros explica que as redes sociais podem ser ainda mais efetivas nas eleições municipais. As circunstâncias temporais, econômicas e rotineiras que acompanham o cotidiano das pessoas fazem com que elas depositem seu voto em um determinado nome. São os problemas e as soluções do bairro, da escola, da saúde, do trânsito, da segurança: quanto mais próximo e imediato ao eleitor, mais impacto o discurso terá para ele.

Essa construção midiática se guia por conceitos de marketing, semelhante ao que é feito em empresas privadas. O primeiro passo é o de atrair o público-alvo. Para isso, a estratégia de campanha aposta em conteúdos interessantes e com linguagem apropriada aos consumidores. A fase seguinte consiste em gerar engajamento visível nas postagens, fixando cada vez mais o conteúdo junto ao público por meio dos próprios algoritmos das redes; a prática busca um crescimento orgânico de consumidores. A próxima etapa tem o objetivo de converter os usuários online em militantes ativos dentro e fora das redes.

A personalização da política por meio do universo digital garante ao internauta um diálogo mais facilitado com a figura pública. É de interesse dos candidatos o uso dessas ferramentas para a construção de uma personalidade popular, acessível, transparente e espontânea.

Embora o maior uso da internet venha se comprovando ano a ano, a televisão também cresceu em 2020. Motivada pela quarentena e pela busca de informações sobre o coronavírus, segundo pesquisa da Kantar Ibope Media, a população brasileira passou a consumir oito horas diárias de TV em abril. O tempo significou um aumento de 1h20 em comparação à primeira semana de março, antes da quarentena.

“As mídias digitais podem ser um canal onde você vai conversar com os convertidos. Aquele eleitor indeciso, que está pensando em quem vai colocar seu voto, esse pode recorrer à televisão. Não exatamente pelo fato de estarmos em uma eleição, mas sobretudo pelo fato de estarmos durante uma pandemia em que a TV ganhou um destaque maior”, acredita Massimo.

Direito eleitoral digital

O deslocamento de boa parte das campanhas eleitorais para a internet passou a exigir uma readequação dos profissionais da política. Esse processo de transição tecnológica transformou as competências necessárias para um bom aproveitamento político, que hoje agregam direito, tecnologia e marketing digital.

Ao longo dos últimos anos, a comunicação em rede transformou cada cidadão com acesso à internet em um potencial veículo de compartilhamento de informação. A responsabilidade de cada indivíduo aumentou, e os comportamentos no ambiente virtual vêm ganhando regulamentações legais que implicam em multas e detenções em caso de má-conduta online.

Um exemplo disso é o Facebook. A plataforma autorizou neste ano o impulsionamento de campanhas eleitorais, desde que transparentes e acompanhadas do CNPJ de quem as veicula. Essa permissão, no entanto, passa por um preenchimento rigoroso de formulários de acesso. A falta de assessoria adequada na admissão incorreta desses documentos pode pesar no bolso dos candidatos: a multa mínima fixada em alguns casos foi de R$ 5 mil.

Massimo defende uma atuação profissionalizada nessa organização. Os politólogos, profissionais da ciência política, precisam conciliar práticas jurídicas, tecnológicas e científicas nas execuções de campanha. “Quando a gente fala em direito eleitoral digital, quando a gente fala em tecnologia, a gente precisa pensar em relações sociais que ocorrem por meio dela”, diz.

Financiamento de campanha e acesso ao poder político

A prestação de contas de campanha funciona hoje no Brasil como forma de controle e fiscalização do processo eleitoral. A Justiça Eleitoral é responsável pela apuração da legitimidade e pelo julgamento da regularidade dessas cifras.

Mecanismos processuais colocaram o agente do direito como um ator sobre o processo de prestação de contas. Os operadores da área se utilizam das seguintes práticas: a exigência de apresentação de provas pelos fornecedores de campanha, com o intuito de comprovar a autenticidade dos repasses; emissão de mandatos de busca e apreensão para localizar objetos e valores possivelmente fraudados; e quebra de sigilos bancário e fiscal do fornecedor ou de terceiros envolvidos a fim de rastrear as pontas de captação e distribuição de patrimônios e capital.

Todas essas medidas têm um objetivo comum: impedir o uso de recursos ilícitos em campanhas eleitorais. A abertura de investigação judicial autoriza a apuração de abuso econômico e tem a capacidade, em caso de comprovação de irregularidade, de responsabilizar pessoas físicas nas esferas cível, criminal e tributária.

Essa apuração é realizada por uma rede de órgãos públicos e no compartilhamento de informações entre si. Tal organismo é formado por entidades como a Justiça Eleitoral, que é responsável por reunir as bases de dados de partidos e candidatos. A Polícia Federal permanece encarregada de abrir os inquéritos de investigação, enquanto as denúncias são feitas pelo Ministério Público Federal.

A Receita Federal fica incumbida de verificar o cumprimento dos limites de doações de acordo com a legislação e a regularidade dos doadores. Já o Tribunal de Contas da União tem o intuito de constatar a capacidade econômica de doadores e as competências operacional e logística de fornecedores.

O Conselho de Controle de Atividades Financeiras é ajuizado do monitoramento de movimentações financeiras e encaminhamento de informações aos demais órgãos para exame de regularidade. Por último, o Núcleo de Inteligência da Justiça Eleitoral afere a integridade das informações recebidas pelas outras entidades, formando um extenso cruzamento de dados a respeito dos investigados.

Os esquemas ilícitos mais comuns envolvem a ocultação da origem real dos recursos utilizados nas campanhas. Até início de novembro, o Núcleo de Inteligência da Justiça Eleitoral identificou indícios de irregularidades em doações que chegavam a R$ 35 milhões a nível nacional. A maior ocorrência verificada foi a de doações feitas por pessoas sem emprego formal registrado: os valores somavam mais de R$ 21 milhões, entre 5.362 doadores.

Para Denise Schlickmann, especialista em doações eleitorais e mestre em Direito pela Ufscar (Universidade Federal de Santa Catarina), o eleitor tem condição e dever de acompanhar as transações de determinado candidato. “Quanto mais tivermos consciência eleitoral e política, mais teremos aliados poderosos no combate à corrupção no Brasil”, diz.

O fim da coligação nas eleições proporcionais

A Emenda Constitucional nº. 97, de 2017, determinou o fim das coligações partidárias para as eleições proporcionais. Ou seja: os pleitos que envolvem a ocupação de cargos legislativos (vereadores, deputados estaduais e deputados federais) não podem mais contar com a formação de grandes blocos partidários de apoio.

As coligações tinham como grande objetivo impulsionar pequenas candidaturas, geralmente de partidos menores, com negociações de tempo de mídia e outros recursos. Essas siglas “pegavam carona” em outras com maior estrutura e tentavam emplacar um candidato na câmara ou assembleia legislativa com a regra do quociente eleitoral (cálculo de distribuição de cadeiras para cada partido).

Um dos propósitos da emenda é o de diminuir o número de partidos no Brasil. O país tem hoje 33 siglas oficialmente registradas no TSE, o que constitui a maior fragmentação partidária do mundo.

Pelos números de postulantes em 2020, o que se observa é uma proliferação de candidaturas. Os partidos menores agora precisam lançar seus próprios candidatos ao Executivo para alavancar as campanhas legislativas. Em Curitiba (PR), a disputa municipal deste ano teve 16 concorrentes, contra 12 há quatro anos.

“É uma situação ambígua. Por mais que tenha um eleitorado com um leque imenso de opções, deixa os debates muito poluídos. É difícil para as emissoras organizarem e qual critério para excluir esse ou aquele candidato. A gente fica numa pulverização de falas extremamente curtas, em que os candidatos não conseguem passar nenhuma proposta com clareza ao telespectador”, explica Luiz Domingos Costa, professor do curso de Ciência Política da Uninter.

Em estudo elaborado pelo aluno Alexandro Romanine, com base em números nacionais, 83% das candidaturas a prefeito em 2016 eram formadas por coligações. Neste ano, a quantia reduziu para 64%. Para vereadores, o índice caiu de 85% para zero no período. O encerramento das coligações na disputa do Executivo não é obrigatório, mas se observa a tendência de queda e a expectativa de que a redução gradual de partidos provoque um consequente decréscimo no número de candidaturas.

Política local

No artigo Topografia do Brasil profundo, o professor da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) André Marenco constata que a competitividade política em municípios cresce de acordo com seu tamanho. Quanto maior a cidade, mais acirrada é a disputa.

Municípios pequenos teriam, para o autor, uma competição menor por causa da concentração de oportunidades econômicas e o acesso restrito à informação. Esses fatores se somariam à recorrência de reeleições e à baixa variação ideológica nesses locais, centralizando o poder em poucas figuras.

Uma arena eleitoral mais diversificada e competitiva teria espaço em grandes centros urbanos. “Nessas cidades, há uma economia mais complexa, uma divisão social de trabalho mais complexa, uma sociedade civil com sindicatos, associações, comunidades de bairro mais organizadas, intensas e dinâmicas”, avalia Ziegmann, com base no trabalho de Marenco.

A articulação desses dois polos com instâncias maiores de poder é frequente e necessária. Os municípios são dependentes dos repasses dos governos estadual e federal, que geralmente também têm mais capacidade técnica para implementar obras públicas e políticas práticas.

As transferências de recursos são capitaneadas por deputados estaduais e federais, que por sua vez são apoiados pelas lideranças locais (prefeitos e vereadores proeminentes). A relação entre esses lados busca um suporte mútuo, em que ambas as partes são beneficiadas pelo apoio entre si.

Enquanto as maiores regiões servem de projeção de candidatos para cargos maiores, os municípios menores são uma importante base de consolidação de poder. Nas duas situações o partido pode coordenar suas campanhas em diferentes níveis, trabalhando uma estruturação de poder da etapa local à federal, e vice-versa.

Democracia digital e eleições

Processos de erosão democrática podem ser notados em diferentes países mundo afora. Esse desgaste é formado pelo ataque a instituições basilares da democracia constitucional, como órgãos da Justiça e do Legislativo.

Estefânia Barboza, professora do mestrado em Direito da Uninter e especialista em Direito Constitucional, vem pesquisando sobre o tema nos últimos anos. Para ela, parte dos ataques são coordenados por meio da internet e replicados entre os países. Além do Brasil, o procedimento é notado abertamente nos Estados Unidos, na Hungria e na Polônia.

As agressões se dão sobre pontos fundamentais do modelo democrático e geralmente tendem a minar o sistema de pesos e contrapesos entre os poderes e o espaço de pluralidade da sociedade. Estefânia enumera os principais alvos desses ataques na esfera digital:

  1. Eleições livres, justas e frequentes. A tentativa é de acabar com o fluxo de alternância de poder próprio de uma democracia, centralizando o poder em figuras autoritárias. Os atentados contrariam princípios democráticos como o compartilhamento de informação justa e responsável
  2. Liberdade de expressão. O uso das redes tem a premissa de ampliar a manifestação individual e consciente. Há a necessidade de se definir parâmetros de participação igualitária entre os usuários do meio digital, sem favorecer nenhuma das vozes.
  3. Fontes de informação diversificadas. O excesso de informações, vindas de diferentes emissores, pode gerar um processo de desinformação devido à ausência de um filtro entre esses meios. Uma vez que a democracia prevê liberdade de expressão e de acesso à informação, o desafio recai sobre como criar uma regulamentação que não implique em censura.
  4. Autonomia para associações. As redes sociais online, baseadas em algoritmos, criam formas artificiais de aproximação. Há pouca autonomia real do usuário na escolha com o que se relacionar. As “bolhas” de alienação fortalecem a polarização, criando figuras antagônicas e de constante tensão.
  5. Cidadania inclusiva. Uma democracia não se resume a ações em ano de eleição. É necessário estimular a participação e a inclusão continuamente. A premissa das redes de criar um espaço alternativo de manifestação e comunicação deve servir para jogar luz sobre o que antes era oculto.

“É preciso saber quem administra esses ataques, porque a democracia não pode permitir ataques a ela mesma”, finaliza a doutora.

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Autor: Arthur Salles – Estagiário de jornalismo
Edição: Mauri König
Revisão Textual: Jeferson Ferro


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