Como a astronomia indígena nos conecta com o planeta

Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo

A astronomia indígena é a mais antiga das ciências. Ela fala da forma como os povos antigos orientavam o próprio cotidiano, construindo calendários a partir do movimento do sol, da lua e das constelações. Esta relação com os astros foi fundamental para o desenvolvimento das sociedades humanas. Graças a este conhecimento, podia-se regular o trabalho agrícola, compreender as marés, a floração e a reprodução dos animais.

Para os indígenas, a Terra nada mais é do que um reflexo do céu, e tudo o que acontece aqui também se passa lá em cima. A cronobiologia estuda as relações entre fenômenos biológicos e astronômicos que ocorrem com mesma periodicidade, como dia a e noite, as fases da lua e estações do ano, que possuem ritmos biológicos.

Em 1729, o francês Jean-Jacques de Mairan foi o primeiro a observar que certas plantas abrem e fecham no mesmo horário, mas ele não foi levado a sério. Só no ano de 1960 é que a cronobiologia passou a ser considerada um novo ramo da ciência biológica. Em 2017, então, os cientistas norte-americanos Jeffrey C. Hall, Michael Rosbash e Michael W. Young ganham o Nobel de Medicina e Fisiologia por descobrir que todos os seres vivos têm um relógio biológico.

Um exemplo da cronobiologia são os ciclos do mosquito Aedes Aegypti, que transmite doenças como a dengue, a zika e a chikungunya. Segundo estudos, existe um ciclo anual, do início da primavera ao início do outono, em que a chuva e o calor aumentam, oferecendo criadouros e maior velocidade de proliferação. Sabe-se que a maior atividade do mosquito é ao anoitecer e ao amanhecer. Há ainda um ciclo mensal, com maior atividade de mosquitos na lua cheia, em comparação com a lua nova, devido a duração maior dos crepúsculos.

“Se você falar isso para um astrônomo, ele vai dizer ‘que besteira’. Na média, a lua cheia e a lua nova exercem a mesma atração gravitacional sobre a Terra. Mas onde está o segredo? O segredo está no brilho da lua”, explica o astrônomo Germano Afonso, professor do Mestrado e Doutorado em Novas Tecnologias da Uninter.

No Brasil, a lei 11.645/2008 torna obrigatório o ensino da história indígena no ensino fundamental e médio, mas segundo Germano, faltam materiais didáticos sobre o assunto e até mesmo profissionais que se interessem.

Análises a partir do céu

A primeira coisa que os índios observaram foi o sol. O objeto mais antigo e simples desta astronomia é o gnômon, ou o obelisco de Heliópolis do Egito, de 1950 antes de Cristo. Existem algumas variações do instrumento espalhados por todo o mundo, mas ele é constituído por uma haste vertical, da qual se observa a sombra para orientar os indivíduos, encontrando os pontos cardeais.

“Todo mundo sabe que quando o sol está mais alto, a sombra daquela haste é menorzinha, mas o que pouca gente sabe é que aquela sombra sempre está apontada para o lado norte ou para o lado sul. Você sabendo onde que o sol nasce, que é leste, sabe onde está norte, sul, leste e oeste. Isso a gente não ensina para as nossas crianças, mas qualquer indiozinho lá da selva sabe fazer”, ressalta Germano.

As constelações também podem ser utilizadas para orientar as direções, como se fossem uma bússola, especialmente o Cruzeiro do Sul, que também é capaz de apontar os pontos cardeais e as estações do ano. É possível observar as constelações tupi-guarani de acordo com cada época do ano. No verão, observa-se no céu Órion, Touro e Homem Velho; no outono, Cruzeiro do Sul e Cervo do Pantanal; no inverno, Escorpião e Ema; já na primavera, pode-se enxergar Cisne e Colibri.

“Toda essa leitura que os povos indígenas fazem do céu, independente da região, fica muito ligada a outras condições. Não é uma leitura só das estrelas, elas vão trazer condições de caça, de pesca, vão dar o cotidiano para esses povos, para que eles possam trabalhar. No caso do Colibri, é muito lindo, porque ele aparece no céu para apresentar uma época de boas novas, que vai ter mais condição de alimento, mais fácil para plantio e para colheita. A ligação entre o céu e a Terra é muito forte dentro da astronomia indígena. É muito bonito”, afirma a professora Thaisa Nadal, da área de Geociências da Uninter.

Cada uma das constelações faz conexão com acontecimentos da Terra, ligados também aos animais e ao meio ambiente. Portanto, há ligações filosóficas, místicas e religiosas. A constelação Colibri, que carrega o nome e tem o formato de um gênero de beija-flor, por exemplo, tem uma importância divina para os índios tupi-guarani.

“Tem uma mancha escura que parece um homem sentado, porque os índios não fazem só união de estrelas. Essa mancha escura que aparece é o Nhanderu, nosso pai, dos tupi-guarani. O colibri está colocando néctar das flores da primavera na boca de Nhanderu”, conta Germano.

Ferramentas de observação e materiais disponíveis

Existem algumas ferramentas disponíveis para quem tem interesse em conhecer mais sobre o assunto e a leitura do céu. O primeiro deles é o aplicativo Stellarium, que simula a abóbada celeste em tempo real e permite a observação dos corpos celestes. Outro é a Carta Celeste, também disponível como aplicativo.

“A Carta Celeste é boa para você ver realidade virtual aumentada. Por exemplo, em um determinado horário, você olha o planeta, aponta seu celular e o celular te dá todas as características. O Stellarium é o melhor software de astronomia que existe, é riquíssimo, e ele é grátis. Eu recomendo para todo mundo”, ressalta o professor.

Germano também trabalha a educação da astronomia indígena para pessoas com deficiência. Ele orienta, no mestrado, a estudante Caroliny Martins, que possui o canal Céu em libras no Youtube, transmitindo os conhecimentos da astronomia através da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). O professor indica o vídeo Céu dos índios em libras, uma produção sua em parceria com Hélio Ziskind, adaptado para a LIBRAS pela mestranda.

Além disso, em 2016, o professor lançou o livro Ensino de história e culturas indígenas, em parceria com Cristina Cremoneze e Luiz Bueno, pela editora Intersaberes. A leitura tem o objetivo de contribuir para a disseminação do conhecimento e promover a valorização dos povos indígenas, oferecendo informações e reflexões, resultado de anos de pesquisas realizadas com diferentes etnias indígenas brasileiras.

Germano aponta que um dos obstáculos existentes para a propagação da astronomia indígena é o preconceito sobre o assunto. Segundo ele, “talvez falte para essas pessoas mais conhecimentos das nossas origens e esse é o trabalho que nós procuramos fazer. A leitura dos povos indígenas só soma para o nosso conhecimento, de uma forma que nos deixa mais leves, mais atentos à natureza, a gente aprende a observar melhor.”

Thaisa comenta: “A gente consegue ver a natureza de uma forma dinâmica, com a vida que ela expressa a cada uma das imagens que vêm pra gente ou a cada uma das falas que nós recebemos dos nossos amigos dentro das aldeias do Brasil inteiro. Eu acho que a gente precisa resgatar um pouco, enquanto professores, enquanto estudiosos, essa forma de adquirir o conhecimento”.

Germano e Thaisa debateram sobre Astronomia Indígena em um bate-papo no programa Dialogando com as Geociências, realizado através da página de Geociências da Uninter, com mediação da professora Franciele Estevam. O conteúdo continua disponível para toda a comunidade interessada.

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Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo
Edição: Mauri König
Revisão Textual: Jeferson Ferro
Créditos do Fotógrafo: Memória EBC e reprodução Facebook


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