30 anos do ECA: um marco de conquistas e novos desafios

Autor: Kethlyn Saibert - Estagiária de Jornalismo

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completou 30 anos no dia 13 de julho. A lei é um marco na história dos direitos humanos no Brasil. Promulgado em 1990, o artigo 227 diz que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Depois de décadas de avanço, o estatuto agora enfrenta novos desafios, e até mesmo retrocessos. Analisando esse cenário, a revista científica Humanidades em Perspectiva lançou a Edição Especial de 30 anos do ECA. Na live de lançamento, transmitida no dia 28.08.2020 pelo Facebook, Dorival da Costa, coordenador do curso de Serviço Social da Uninter, diz que ao mesmo tempo que o ECA trouxe mudanças significativas no âmbito socioeducativo, também enfrenta desafios na mesma proporção.

“O impacto social sobre as condições em que estamos vivendo, no qual o presidente e outros políticos tentam desqualificar o Estatuto da Criança e do Adolescente e até incentivam o trabalho infantil, exige posicionamento. Por isso, nós estamos analisando esses impactos por meio da pesquisa científica”, explica Dorival.

A revista conta com 22 artigos de 42 autores de todo o Brasil. Os textos trazem análises sobre as dificuldades de implementação das políticas públicas voltadas às crianças e adolescentes. A doutora e pesquisadora Ivana Moreira, responsável por fazer a edição, aponta que “foi uma atividade muito interessante repensar esses 30 anos do estatuto”. Para ela, participar do projeto foi um exercício de reflexão: “Nós temos artigos que tratam da questão da violência, da importância da adoção e da relevância da participação de conselhos, fóruns e do próprio legislativo nas ações de políticas públicas. A efetivação da garantia de direitos se dá em conjunto com esses setores, pois uma categoria não pode se sobrepor à outra”.

O ECA foi responsável por abrir caminho para novas políticas de proteção à criança e adolescente, como A Lei da Escuta Protegida, que garante privacidade para menores que sofreram abuso, a Lei da Palmada, que visa proibir castigos físicos e tratamentos cruéis na educação das crianças, e o Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto Juvenil. Além disso, também auxiliou na redução da taxa de mortalidade infantil e no avanço da universalização da educação.

Porém, de acordo com Dorival, a luta por direitos ainda se baseia nos princípios mais básicos da causa. Ele relembra o caso recente da criança de 10 anos, vítima de abuso sexual, que foi alvo de ataques por parte de grupos religiosos que questionaram o seu direito de aborto garantido pela lei. “Nós ainda continuamos falando sobre lutas que buscamos há 30 anos. Ainda lutamos para ensinar ao Estado e à cultura brasileira que as crianças e adolescentes são sujeitos de direito. O grande desafio é reavivar essa ideia nos brasileiros”, diz.

Ivana, por sua vez, ressalta que o trabalho de pesquisa da revista é fundamentado nas particularidades dos desafios em 2020. “O momento pensado no estatuto dos anos 90 é muito diferente do momento que nós temos hoje. E por isso, nós temos tantas demandas diferenciadas. Percebemos isso nas produções dos artigos. Essa produção científica tem como objetivo atender essas demandas”, salienta.

Histórico de problemas sociais e desafios na pandemia de Covid-19

Em entrevista ao Uninter Notícias, Dorival falou sobre as principais dificuldades de implementação das políticas públicas desde a criação do estatuto e até os desafios de hoje, principalmente em meio à pandemia de Covid-19.

Ele explica que os empecilhos se iniciam desde a transição do código de menores que perdurou de 1979 a 1990 para a legislação do ECA: “Nós tivemos nesse período muita dificuldade das políticas públicas se adaptarem à legislação. E até da área educacional por parte dos professores. A Lei da Palmada é um exemplo de tentativa de superação da violência sendo usada como meio de disciplina tanto nas famílias como nas escolas. Ao mesmo tempo, as políticas demoraram muito para se adaptar na área da saúde”, afirma Dorival.

Além disso, mesmo em 2020, ainda há resistência conservadora e religiosa na questão da disciplina. “Ainda se mantém um modelo disciplinar violento sobre as crianças. E isso tem a ver com as igrejas – com todas elas. O conservadorismo permeia vários espaços da sociedade. Muita gente ainda acredita que para o filho do pobre não virar bandido tem de trabalhar. Mas não é a mesma visão para os filhos de ricos”, questiona Dorival.

O coordenador ainda destaca que falta conhecimento na sociedade em relação às normas do ECA. A lei é marcada por polêmicas que permeiam o discurso de políticos e grupos sociais, principalmente na questão da redução da maioridade penal. Críticos argumentam que a lei proporciona impunidade para jovens infratores. Segundo Dovival, o número de crimes cometidos por adolescentes é baixo em relação aos adultos. Mesmo quando são crimes violentos que envolvem morte –  chamados de crimes contra a pessoa – os índices são baixíssimos.

“Quem defende isso, na grande maioria não conhece o estatuto. O adolescente que está em conflito com a lei significa que as políticas públicas não atenderam a ele. Os infratores geralmente se envolvem com roubo e tráfico de drogas, normalmente para poderem sobreviver. Além do mais, também há a questão do encarceramento. O Brasil é o terceiro maior país com encarcerados do mundo. E não há uma política pública de ressocialização dos infratores maiores de 18 anos. Ao mesmo tempo que as políticas de prevenção de reincidência para adolescentes infratores, os serviços locais e municipais não foram constituídos adequadamente. Até em serviço de internação as unidades estão sobrecarregadas, com equipes reduzidas, pois houve cortes de verbas e não há um projeto de investimento”, afirma.

Apesar disso, o ECA tem mais um desafio: dar apoio a crianças e adolescentes em meio à pandemia. Num cenário de confinamento e crise econômica global, as famílias que já sofriam com problemas financeiros agora estão mais vulneráveis. As consequências podem resultar em exploração, trabalho infantil e menores em situação de rua. Além disso, casos de violência e abuso sexual geralmente são cometidos pelos próprios familiares. “A pandemia deixa a criança exposta ao seu agressor. Se a criança estivesse indo para escola, ela teria como denunciar. Por isso, é importante que as políticas públicas exijam que a criança esteja na escola”, argumenta Dorival.

É preciso criar estratégias e meios de como identificar e denunciar abusos. Dorival comenta que uma opção é incentivar a vizinhança, o uso de canais de denúncia como o disque 100 e 181 e o uso de aplicativos que dão suporte à criança e ao adolescente. “A informação pode funcionar como protetora. Mas é uma faca que pode ser usada tanto para cozinhar como para matar. Vai depender de como esse meio tecnológico será utilizado, pois sabemos que a internet também possibilita o bullying, exposição e violência sexual. Ainda não há aplicativos que amparem apenas os jovens. Além disso, um aplicativo não contemplaria a todos, pois depende de que a criança tenha acesso à ferramenta e internet, e ainda há a questão das crianças mais novas que não são capazes de usar o meio”, pontua.

Por fim, Dorival enfatiza que a luta pelos direitos humanos é constante. As pessoas precisam conhecer mais a fundo o estatuto e considerar o outro como uma pessoa, deve-se ter empatia pelo próximo. “É preciso empoderar nossas crianças e adolescentes. Temos que tratá-los como sujeitos de direitos”, conclui.

A edição Especial 30 anos do ECA da Revista Humanidades em Perspectiva aborda temas relevantes, que se colocam como essenciais para nossa vida social. Os artigos, produzidos por autores e pesquisadores de norte ao sul do Brasil, englobam pesquisas de campo, pesquisa teórica, relato de experiência, dissertação de mestrado e tese de doutorado. Dentre os temas abordados estão: gênero, raça e geração, classes sociais e controles sociais, além de temas que são tabu na sociedade, como o casamento infantil e a reflexão sobre os movimentos sociais, como o Movimento de Meninos e Meninas de Rua.

Para acessar a edição da revista na íntegra clique aqui. E para acompanhar a live de lançamento, aqui.

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Autor: Kethlyn Saibert - Estagiária de Jornalismo
Edição: Mauri König
Revisão Textual: Jeferson Ferro
Créditos do Fotógrafo: Gsé Silva/Wikimedia Commons


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