A imprensa e o seu papel nas sociedades democráticas em debate com Carlos Lauría
Autor: Fillipe Fernandes - Estagiário de JornalismoA liberdade de imprensa é uma condição imprescindível para o regime democrático e a consolidação do estado de direito. No dia 07.jun, no Brasil, é o dia da liberdade de imprensa, data que serve para promover reflexões acerca da atuação do jornalismo e das instituições na vida política da nação.
Várias iniciativas e entidades são determinantes para assegurar a estabilidade democrática, desde o judiciário até fundações internacionais. A Open Society Foundations, que financia iniciativas de jornalismo independente por todo o mundo, é uma delas, e tem como missão trabalhar “para construir democracias vibrantes e inclusivas fazendo os seus governantes responsáveis pelos seus cidadãos”.
O programa Contra-Informação do dia 27.mai.2020 teve a presença do argentino Carlos Lauría, uma grande referência no jornalismo internacional que há muitos anos atua na proteção de jornalistas e defensor da liberdade de expressão. O programa é apresentado pelos jornalistas Mauri König e Guilherme Carvalho, coordenador do curso de Jornalismo da Uninter.
Carlos Lauría foi coordenador para as Américas do Comitê de Proteção dos Jornalistas em Nova York e atualmente está sediado em Londres, trabalhando como gerente do setor de proteção a jornalistas e liberdade de expressão da Open Society Foundations. Lauría participou do programa, que pode ser conferido na íntegra aqui, falando em espanhol.
König explica o motivo de Lauría ter sido convidado. “Estamos em um momento no qual o Brasil vive um cerceamento da liberdade de expressão de uma forma tão presente como não havia tido desde a ditadura militar. Quando a gente tem um presidente da República mandando jornalista calar a boca e incitando a população a fazer o mesmo, é necessário ter a presença dele aqui”.
Lauría refletiu inicialmente sobre o debate público nas sociedades democráticas. “O papel que o jornalismo cumpre é fundamental para a consolidação de uma democracia saudável. Simplesmente porque ele permite que a população acesse a informação vital e para que possam tomar decisões relevantes sobre sua vida diária”.
Quando governantes se colocam como censores do debate público ao invés de participantes dele, pode ocorrer uma divisão da sociedade entre quem o apoia e quem se opõe. Segundo o convidado, essas divisões fomentam ódio entre quem pensa diferente. Lauría ponderou que é difícil comparar países entre si, pois são sistemas políticos distintos. Entretanto, governantes com tendência populista emergem em todo o planeta. Donald Trump, nos Estados Unidos, Viktor Orbán, na Hungria, e Rodrigo Duterte, nas Filipinas, foram exemplos citados.
Guilherme Carvalho comentou as principais ações que podem colocar o governo do atual presidente da república, Jair Bolsonaro, em concordância com o espectro populista vigente. “O governo age em três frentes que são extremamente prejudiciais. São elas: 1) aposta na ofensa e censura da imprensa, enforcando seus canais de financiamento. 2) Uma ação para dificultar o acesso à informação, constantemente negando informação pública para jornalistas. 3) A constituição de uma rede de fake news que começa a partir de pessoas próximas ao presidente da república”.
No final do mês de maio, veículos de imprensa expressivos no Brasil deixaram de fazer a cobertura presencial no Palácio da Alvorada, em Brasília, por causa do risco à integridade dos profissionais de imprensa que eram diariamente hostilizados por apoiadores do atual governo. Carvalho comenta que a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) contabilizou 141 ataques à imprensa oriundos de Bolsonaro, por meio de redes sociais ou pessoalmente, nos primeiros três meses de 2020.
Para Lauría, os jornalistas têm de tomar cuidado, pois o ambiente público no Brasil está viciado em sustentar uma retórica de agressão à imprensa. É preciso quebrar a dinâmica da desinformação e ir além do discurso governista. “O jornalismo tem que focar nos temas mais relevantes. Talvez as coletivas de imprensa do presidente Bolsonaro não mostrem o que de fato é mais importante. É preciso focar na transparência, nos atos oficiais do governo. O caminho é a tolerância, o jornalismo de qualidade, responsável, que não cai na crítica pela crítica, mas que produz informação que as pessoas precisam para tomar suas decisões”, explica.
Um paradoxo que muda tudo
O surgimento de veículos alternativos à grande imprensa tem a ver com uma crise que começou há mais de uma década, com o advento das últimas tecnologias para produção de conteúdo, e também um problema com o modelo de negócios de grandes corporações midiáticas. Como sustentar os veículos pequenos que vivem de financiamento de fundações filantrópicas, crowdfunding, e que agora sofrem com a pandemia que traz uma retração econômica sem precedentes no século 21?
Carlos Lauría disse que para responder a essa questão, só tendo uma bola de cristal. “O paradoxo que estamos vivendo é que a crise econômica está afetando diretamente os meios de comunicação. Ao mesmo tempo, se comprova que o setor está tendo recordes de visitação em seus sites. Há uma demanda por informação que não se via há bastante tempo. No momento mais crítico, o jornalismo é necessário para as pessoas”.
Na Austrália, há um imposto que se destina a financiar os meios de comunicação. A BBC, na Inglaterra, é reconhecida internacionalmente por sua alta performance jornalística e é uma empresa estatal. König propõe uma saída para o impasse: uma forma de financiamento público da imprensa no molde da atual política de financiamento de campanhas eleitorais dos partidos políticos, que consiste em uma entidade que administra esse fundo e direciona para os partidos seguindo critérios específicos. Cabe aos partidos determinar como gastar.
“Lamentavelmente, na América Latina, as mídias corporativas são parcialmente financiadas pelo Estado e a maioria se converteu em braços de propaganda para o governo da vez e não representam o real interesse público. Os meios devem ser plurais, diversos, abrir espaço não só ao governo mas também à oposição”, comenta Lauría.
O dinheiro ainda é o fiel da balança
O modus operandi mais comum quando se observa a relação entre imprensa e financiamento estatal é o governo controlar as verbas publicitárias em um modelo de prêmios e castigos. O dinheiro vai para quem apoia as medidas do governo, e quem faz oposição deixa de publicar a publicidade oficial.
O problema é complexo. Os veículos precisam encontrar um sistema que propicie seu sustento, além de driblar a autocensura causada pela instabilidade financeira que os deixa dependentes de receitas publicitárias tanto do setor público quanto privado. Mesmo assim, Carlos Lauría enxerga muito futuro no jornalismo.
“A forma de fazer jornalismo hoje é completamente diferente de cinco, dez anos atrás. A partir da crise dos grandes veículos, o jornalismo ficou bastante segmentado. Isso pode ser positivo para chegar até o ambiente local, para se desenvolver um jornalismo mais próximo do cidadão. O novo profissional precisa conhecer sua audiência e também interpretar quais são os temas que interessam para seu público, estabelecer uma relação que em outros tempos não existia”, conclui.
Autor: Fillipe Fernandes - Estagiário de JornalismoEdição: Mauri König
Revisão Textual: Jeferson Ferro