Não é só maquiagem!
O mês das mulheres está recheado de atividades para o público feminino. A Uninter firmou uma parceria com uma marca de cosméticos para fazer um agrado às suas colaboradoras e entre os dias 11 e 15 ofereceu cursos de maquiagem nos seus quatro campi e em outras sete estruturas físicas do Grupo Uninter, em Curitiba (PR). O grande diferencial foi que as aulas não foram pensadas para “esconder defeitos”, e sim “explorar a beleza única” de cada mulher.
Para falar um pouco sobre maquiagem, estética e feminismo, conversamos com a mestra em Sociologia Regina Reinert, professora do curso de Jornalismo da Uninter.
Uninter Notícias – O uso da maquiagem pode ser uma ferramenta de empoderamento feminino, mas também pode ser um instrumento para a opressão da mulher quando o seu uso é dedicado para se encaixar no padrão de beleza estabelecido. Você acha que as mulheres, hoje e de maneira geral, estão conseguindo identificar essas diferenças?
Regina – Sim, de maneira geral podemos dizer que a mulher está buscando tomar as rédeas sobre seu corpo e sua maneira de mostrar-se ao mundo. No entanto, esse empoderamento vai além da autoestima, do aceitar-se, porque a sociedade continua impondo seu padrão estético e está pouco se lixando se você se acha livre e linda. E se o padrão ainda é o da magra e branca, então a mulher continua sem poder nenhum. O que deve ficar a partir do posicionamento das mulheres é a mensagem delas para a sociedade em geral e para o mercado em particular: isso não é algo passageiro, veio não só para ficar como ampliar-se, agora, qual será o desfecho de todo esse alinhamento, só o tempo poderá dizer.
UN – O mercado vem desenvolvendo produtos de beleza para as mais diversas etnias. Após muitos anos, eles estão se dando conta de que somos muitas e diferentes. Você acredita que essa mudança se deu em parte pelo feedback que o público encontra nas redes sociais para denunciar e reivindicar novas possibilidades com os fabricantes?
Regina – O corpo feminino sofre degradação e objetificação até os dias atuais. Isso ocorre de maneira implícita ou explícita em vários setores da sociedade, sejam eles familiar, midiático ou afetivo. A publicidade que veicula produtos de beleza sempre se fez muito presente na vida das mulheres e, até bem pouco tempo atrás, seus conteúdos eram, em sua maioria, sexistas, elitistas ou reforçadores de estereótipos. A intensificação de temas feministas popularizados nas redes sociais, no entanto, despertou no público feminino a necessidade de representação a partir delas mesmas. É nesse momento que percebemos uma mudança no mercado que, por meio de pesquisas, vem buscado compreender esta mulher contemporânea tão ciente de sua autonomia. Evidentemente que a guinada do mercado em direção à diversidade feminina, buscando ajustar seu discurso a ela não é político, mas visa o lucro, tão somente.
Lacre é lucro: Essa expressão surgiu porque as empresas passaram a usar de “atos políticos” como inclusão e diversidade para abranger o maior número de pessoas, não por empatia, mas para vender uma boa imagem e, assim, mais pessoas comprarem seus produtos.
UN – E como isso pode contribuir para que haja uma desconstrução do padrão de beleza eurocêntrico imposto por muitos anos no Brasil?
Regina – O padrão de beleza eurocêntrico foi o vetor da grande insatisfação da mulher com seu próprio corpo e tem como origem elementos presentes no universo masculino, do qual a mulher vai se encarregar de manter. A insatisfação da mulher consigo própria resulta da dominação masculina, presente na vida de cada uma desde sua infância e é sob o olhar masculino que a insegurança corporal e problemas de autoestima se fizeram presentes na vida das mulheres. Simone de Beauvoir observou que a preocupação com a aparência física tornou-se para a mulher uma verdadeira obsessão. Para conquistar o amor ou ser socialmente aceita é preciso sempre ser bonita. A não aceitação desse padrão já aconteceu. A desconstrução dele não. Mas, cada vez mais, mulheres deixam de querer ser o que suas realidades lhes negam. Não somos europeias. Somos de todas as cores e de todos os tamanhos. Conseguiremos isso quando percebermos, todas, o machismo implícito por trás desse padrão e entendermos que somos oprimidas a partir de estereótipos.
“Não se nasce mulher, torna-se.” Esta é a célebre frase de Simone de Beauvoir publicada no livro O Segundo Sexo (1949). Nele, a autora faz uma análise sobre as construções sociais feitas em torno da mulher e do feminino dentro da sociedade. Beauvoir foi escritora, intelectual e filósofa existencialista francesa. Sua obra influenciou e continua influenciando teóricas feminista no mundo todo até os dias de hoje.
UN – A mídia tem um papel muito importante para a formação e imposição de padrões de beleza. Hoje vemos uma maior representatividade de corpos e etnias. Você acredita que essa pluralidade veio para ficar, é um caminho sem volta?
Regina – Se não sofrermos nenhum golpe fundamentalista religioso (risos) a sociedade vai continuar assistindo a essa imensa onda de pluralidade de pensamento e de segmentação do indivíduo que a cada dia consegue mais e mais se definir dentro do seu meio de convivência. Fórmulas prontas já não servem para o mundo atual e isso pede alterações profundas no sentido da inclusão. Existe uma pluralidade de mulheres reais que hoje podem expressar suas opiniões e que já não se identificam com padrões de beleza impostos a elas. Existe, portanto, uma tendência na aceitação da pluralidade de identidades na sociedade. Porém, o Instituto Patrícia Galvão observa que, para além disso, certos setores deixam de admitir o óbvio, evitando as inserções de novas linguagens, novas posturas, novos olhares, seja no próprio fazer jornalístico, na publicidade, no mundo da moda etc.
Um golpe fundamentalista religioso pode parecer um absurdo para nós, mas foi uma realidade para as mulheres iranianas em 1980. Neste ano, aiatolá Khomeini assumiu o poder, impôs um estado teocrático muçulmano, proibiu o acesso feminino às universidades e obrigou as mulheres a vestirem hijabs e burcas. Durante o governo anterior, do xá Reza Pahlevi, as mulheres eram proibidas de usar as típicas vestimentas religiosas.
UN – E estamos no caminho certo ou estamos apenas criando novos padrões de beleza que também poderão ser excludentes? Comente um pouco sobre isso e como é possível evitar exclusões.
Regina – A existência de mulheres reais e plenas, distanciadas das formas idealizadas que sempre as oprimiram e a certeza de que não são obrigadas a nada mostram, sim, que temos um rumo e esse rumo é, essencialmente, o da conquista da igualdade jurídica e da liberdade pelo direito de sermos diferentes e de exercermos nossas diferenças sem imposições exteriores. Falta muito e o caminho é árduo, como o é todo caminho de desconstrução.
Autor: Ariadne Körber e Juce Lopes – Estagiárias de JornalismoEdição: Mauri König
Créditos do Fotógrafo: Arquivo pessoal e Evandro Tosin